Falo com...

Por Marino Boeira

Falo com Josué Guimarães - romancista, jornalista e político - 1921/1986.

Josué, em 1982, você deu uma longa entrevista para um grupo da Revista Oitenta integrado por Jó Saldanha, Jorge Polydoro, Ivan Pinheiro Machado, José Onofre, Paulo de Almeida Lima e José Antônio Pinheiro Machado, republicada depois em 2009, onde você falou sobre personagens da política brasileira que conheceste pessoalmente e sobre alguns escritores. Vamos relembrar contigo, algumas dessas figuras e saber o que você pensa delas

Alberto Pasqualini?

"O Pasqualini falava quatro ou cinco línguas, era muito culto e tinha uma generosidade e uma grandeza espetaculares."

João Goulart?

"O Jango era conservador, tranquilo. Era, vamos dizer assim, um político no velho sentido. Não desagradava A nem B, era um grande conciliador, sabia escutar, não se enfurecia com as coisas, não radicalizava. Atraía os inimigos através de uma conversa. Tinha um grande magnetismo pessoal, no que lembrava muito Getúlio Vargas."

Leonel Brizola?

"O Brizola por exemplo não sabe nada de futebol, de música, de literatura, de nada. É um político da manhã à noite. Dorme, come e bebe política. Mais sanguíneo, mais radical em suas posições, mais positivo em suas decisões, corajoso ao tomá-las. Não media muito as consequências: se achava que devia fazer, fazia, e as consequências depois ele resolveria."

Miguel Arraes?

"O Arraes é um pouquinho diferente. Já é capaz de durante algumas horas do dia discutir outros assuntos. Tem conhecimentos de literatura, de filosofia, e, principalmente, lê mais, o que é muito importante. É um homem no velho estilo do cangaceiro do Nordeste."

Tancredo Neves?

Eu fiquei então aquele tempo todo, no regime parlamentarista, como presidente da Agência Nacional, ocasião em que conheci e fiquei querendo muito bem ao Tancredo Neves. Temos hoje posições políticas diferentes, mas quero muito bem a ele como pessoa, como político."

Com o Darcy Ribeiro o senhor teve uma briga que ficou famosa, quando ele era chefe da Casa Civil do Jango e o senhor presidente da Agência Nacional. Como terminou isso?

"Depois do golpe de 64, o Darcy Ribeiro se exilou no Uruguai, eu não, depois nos encontramos na Europa e aí a briga se acabou. Ele me abraçou comovido e quis passar uma esponja sobre tudo. Hoje considero o Darcy como um dos grandes amigos meus e tenho por ele a maior admiração, acho que ele é um dos maiores talentos deste país. E realmente nunca tive nada contra ele, pessoalmente. Foi apenas um problema burocrático."

Vamos falar sobre dois generais que tiveram papel importante no desfecho do golpe de 64, Amaury Kruel e Assis Brasil?

"Kruel era um sujeito afável. Um militar duro em matéria de disciplina. Foi um militar duro, um chefe de polícia duro, no tempo da ditadura estadonovista. Era aquele tipo de pessoa para a qual a disciplina estava acima de tudo e que a fidelidade à sua carreira, à sua corporação, estava acima do fato de ser amigo, compadre. O Jango poderia ser irmão dele, que ele teria brigado com o Jango e ficado com a corporação. Eu nunca tive a menor confiança nele. Assim como não tive em outra pessoa que hoje está no ostracismo, tentando justificar as suas atitudes, que sofreu muito, mas mesmo assim eu não posso concordar com ele, com a maneira como agiu: é o general Assis Brasil. Acho que muito de tudo isso que está aí se deve a ele. É meu amigo, hoje, e eu tenho convicção de que, na ocasião, em 64, ele não era um amigo do presidente, não era um homem fiel à legalidade constitucional, ao governo do Jango."

O senhor contou um episódio em que se envolveu com o presidente Goulart e o general Assis Brasil. Poderia relembrá-lo?

"Em fevereiro de 1964, antes, portanto, do comício do dia 13 de março, na Central do Brasil, eu estava em São Paulo e tirei as minhas férias em Santos Chegando, fui procurado por um despachante aduaneiro, meu amigo, o Daudt, que até hoje está lá. Veio ao meu apartamento para dizer que a Praia do Gonzaga estava toda fechada, a polícia não estava deixando ninguém passar, e estavam desembarcando de um navio tcheco uma grande quantidade de armamentos e colocando em caminhões que iam direto dali para o Ademar de Barros. Fui até lá. Eles me levaram pela calçada, olhei a praia e não precisaram me dizer mais nada. No dia seguinte voltei para o Rio de Janeiro, fui direto ao Palácio das Laranjeiras. Consegui, através do Raul Riff, ser recebido pelo Jango. Contei tudo o que tinha visto e disse: "É uma conspiração contra ti". Ele, então, mandou chamar o general Assis Brasil, que na época era o presidente do Conselho Nacional de Segurança, para que ouvisse tudo. O general Assis Brasil se apresentou, bateu o calcanhar e disse: 'Presidente, às ordens'. O Jango me pediu que repetisse ao Assis Brasil o que havia lhe contado. Quando eu terminei, o general Assis Brasil disse: 'Presidente, é por isso que eu dificulto a entrada das pessoas aqui no segundo andar. Como funcionário do governo ele não poderia ter acesso ao presidente para divulgar boatos. O presidente tem outros assuntos mais sérios a tratar.' Eu fiquei absolutamente vidrado com o negócio, e só não reagi - e olha que me deu vontade - em respeito ao presidente da República. Na verdade, o agredido era o próprio presidente. O Jango então lhe disse que eu não estava lá na qualidade de diretor da Agência Nacional, mas como um velho amigo seu, e pediu ao general Assis Brasil que levasse aquele assunto ao Conselho de Segurança, e que tomasse as medidas necessárias para averiguar o que se passava. 'Pois não, presidente. Era só isso? Era.' Bateu o calcanhar e saiu. Eu disse ao Jango que lamentava aquela situação, mas que não tinha levado nenhum boato. E desci ao primeiro andar e fui procurar o Riff. Encontrei o capitão Chuai. Alarmado, perguntou-me o que tinha havido lá em cima. Contei tudo e ele disse que o general Assis Brasil tinha descido e dado ordens de que ninguém poderia subir lá em cima sem ordem especial assinada por ele. Dera socos na mesa e estava furioso. Eu desabafei com ele, disse que o Jango estava sendo traído e prometi que não voltaria mais lá para dar notícias. Falei com o Jango depois, no exílio. Ele me confirmou que o general Assis Brasil não tinha tomado nenhuma providência junto ao Conselho de Segurança Nacional. Passou o tempo, houve o golpe, em abril de 64. Eu estava escondido lá em Santos e vi o Ademar de Barros, na televisão, contando como tinha desembarcado as armas e que estava mais armado que o Exército Brasileiro. Vocês imaginem a emoção que eu fiquei. Eu também sabia disso. Eu não acredito que o General Assis Brasil estivesse traindo o Jango. Estava desinformado. Acreditava mais na corporação do que no Jango. Ele mesmo declarou que o Jango estava despreparado."

Para encerrar, nesta entrevista, o senhor falou também sobre literatura e quem são os grandes escritores brasileiros. Vamos lembrar dessa parte?

"O grande escritor deste país, o que salvou a linguagem, é o Guimarães Rosa. Mas não é o escritor do povo brasileiro. O escritor do povo brasileiro chama-se Jorge Amado. E não só ele, há vários nomes de escritores brasileiros. O Erico Verissimo é um deles."

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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