Filhos e netos da Ditadura
Por Renato Dornelles

Uma das piores heranças deixadas pela mais recente ditadura no Brasil foi o desconhecimento de gerações atuais sobre o que foram aqueles 21 anos de regime de exceção, principalmente o período entre o final dos anos 1960 e o início da década seguinte. Ou, num recorte um pouco mais amplo, entre a decretação do Ato Institucional nº 5 (AIO5) e a "Abertura Política" (1979).
Principalmente para jovens adultos que seguem hoje os ditames da extrema-direita ou, se preferirem, do "Bolsonarismo". Para esses, é como se não tivesse existido uma ditadura entre 1964 e 1985 e tudo parecesse ser invenção da esquerda. Alguns expoentes deste grupo são os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG) e o vereador de Balneário Camboriú Jair Renan Bolsonaro (PL).
Claro que, em relação a Eduardo e a Jair Renan é preciso levar em conta a doutrinação que devem ter recebido desde muito cedo, em casa. Mesmo assim, se tivessem estudado o tema, não teriam ficado presos a visões tão fora da realidade ou a nem isso.
Eduardo Bolsonaro fala coisas que, se não envolvessem crimes e situações extremas poderiam ser até engraçadas. Mas não são. Diz o deputado autoexilado nos EUA que seu pai, processado e condenado por tentativa de golpe, em prisão domiciliar em um condomínio de luxo, é a maior vítima de violações de Direitos Humanos da história brasileira.
Parece cômico vindo de uma família que, entre outras coisas, considera um herói nacional o ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, um dos órgãos mais atuantes na repressão política durante a ditadura, reconhecido centro de tortura e assassinato de pessoas que se opunham ao regime, cotonel Carlos Brilhante Ustra. Mas é preciso levar em conta também a convicção de Eduardo, que durante o mandato de seu pai chegou a falar em ressuscitar o AI5.
Já o deputado Nikolas Ferreira muitas vezes parece um político infanto-juvenil, daqueles que, no meu tempo de fins do primeiro grau (atual ensino fundamental), por doutrinação e influência de disciplinas escolares como OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e Educação Moral e Cívica, nega a existência de uma ditadura entre 1964 e 1985.
Por fim, Jair Renan que, na Câmara Municipal de Balneário Camboriú, tem dado claras demonstrações de ter entrado para a política, para a qual não demonstra qualquer aptidão, por exigências familiares. Indício disso foi o fato de ele ter abandonado o plenário e sumido no exato momento em que seria discutido um projeto de lei de sua autoria.
Momentos antes, o vereador do clã bolsonarista havia sido visto pelos corredores tentando estudar o projeto (repito: apresentado por ele próprio), como estudante que não se preparou o suficiente para uma prova e tenta fazer isso na última hora. A proposta acabou sendo retirada da pauta por ausência do autor.
O mesmo Jair Renan votou contra a criação do "Dia da Democracia" no município e foi o único voto contrário à atualização das atas relacionadas à morte do ex-prefeito Higino João Pio, assassinado pela ditadura militar em 1969.
O pior de tudo foi a justificativa (ou tentativa) apresentada por ele: "Que golpe foi esse em 64? No qual o povo saiu às ruas pedindo que os militares assumissem o poder com medo do comunismo entrar no Brasil. Na qual, em abril de 64, o Congresso votou e elegeu Castelo Branco. Que golpe foi esse? Me explica".
Realmente, o rapaz parece ter estudado muito pouco e, além de tudo, não ter conseguido decorar o discurso reinante na família. Apenas seu começo. A prefeita de Balneário Camboriú, Juliana Pavan (PSD), foi cirúrgica em sua avaliação sobre a atuação do filho 04 de Bolsonato: "Eu acho que ele tem que buscar um pouco mais de capacitação, de conhecimento, daquilo que ele vem se posicionar".
E assim como Eduardo, Nikolas e Jair Renan, outros jovens, "filhos e netos da Ditadura", têm se manifestado nas redes sociais demonstrando total desconhecimento sobre o período do regime. Seguidamente aparece algum comparando o período pós-1964 com o atual e afirmando que a situação hoje é pior.
Pela total falta de embasamento da parte deles, fica difícil de explicar até que, se as situações fossem iguais (nem falo em pior hoje como eles dizem), os comentários deles seriam imediatamente extraídos e eles correriam sérios riscos de prisão.