Gaza, imprensa e as falsidades
Por José Antonio Vieira da Cunha
Um dos textos mais corajosos e contundentes em relação ao conflito em Gaza foi cometido pelo jornalista Luiz Cláudio Cunha. Aponta a grande imprensa brasileira, que considera "omissa e submissa", de cúmplice em relação ao drama humanitário que se repete diariamente naquela região do Oriente Médio. Por isso, alerta, a mídia covarde não pode ser entendida como um norte seguro e confiável para se entender o que se passa por lá.
Luiz Cláudio tem uma vitoriosa trajetória profissional enquanto repórter, e foi sempre um arguto crítico dos desvios identificados no dia a dia na imprensa. Gaúcho que reside há anos em Brasília, tem no currículo vários destaques. Cito dois: foi consultor da Comissão Nacional da Verdade no período 2012-2014 e escreveu "Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios", episódio que acompanhou como testemunha do ato infâme e gerou o livro-reportagem que venceu o Prêmio Jabuti. Tem credenciais para afirmar: "As práticas nazistas adotadas agora no gueto de Gaza, e que funcionaram no Gueto de Varsóvia, mostram que a humanidade continua a miserável repetição de seus erros. E a mídia, cúmplice".
"Varsóvia e Gaza: dois guetos e o mesmo nazismo" foi publicado na Humanitas, revista da Unisinos, e merece ser conhecido aqui.
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Tem coisas estranhas ocorrendo na área comercial-editorial de Zero Hora. Outro dia, o noticiário sobre ensino apareceu patrocinado por uma universidade privada, parte interessada, portanto, em tudo o que se escrever sobre o tema. Para o patrocinador pode soar uma estratégia inteligente, pois é o caminho mais fácil para se vacinar contra eventuais críticas. Já as instituições de ensino concorrentes terão todo o direito de colocar em dúvida qualquer frase contida em reportagem sobre o tema ensino.
Semana passada o jornal trouxe uma entrevista de página inteira com o presidente do Sescoop, entidade integrante do sistema S voltada para o setor cooperativista. O problema: era uma página patrocinada... pelo próprio Sescoop. Na verdade, tratou-se portanto de uma autoentrevista do dirigente. Eis aí um segundo problema: é uma ação altamente questionável, visto que o Sescoop opera cumprindo tanto preceitos jurídicos de empresa privada quanto os exigidos para a administração pública. Não tem fins lucrativos e é considerada uma paraestatal, o que leva à conclusão de que a autoentrevista feriu princípios elementares, como o da impessoalidade.
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Uma má notícia da semana passada veio pelo ar, com a informação de que a Azul está avaliando a possibilidade de adquirir o controle da Gol, fragilizada que está devido ao processo de recuperação judicial nos Estados Unidos, com dívidas de R$ 20,176 bilhões. Se o negócio for concretizado, pobre consumidor, pois a Azul já pratica os maiores valores no custo das passagens. E pior, o Brasil passaria a ter duas empresas donas do espaço aéreo, Azul e Latam. De novo: pobre consumidor.
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Ainda sobre inteligência artificial, o tema que abordei nas duas últimas colunas. A NewsGuard, ferramenta de jornalismo e tecnologia que acompanha o desempenho de sites com informações e busca identificar as notícias falsas, apresentou uma conclusão alarmante. As inovações tecnológicas permitiram em pouco tempo que a IA propagasse notícias falsas "em uma escala sem precedentes, em volumes incríveis e apoderando-se dos ingressos publicitários dos meios de comunicação enquanto plagiava seu conteúdo".
Dá um alerta relevante: se a guerra do Vietnã nos anos 50, 60 e 70 foi considerada "a primeira guerra televisionada", o conflito em Gaza é o marco da "primeira guerra da IA". É grave a questão: a difusão de vídeos, áudios e imagens gerados por IA aumentou consideravelmente desde outubro do ano passado, com as notícias falsas entrando em uma escalada sem precedentes e com baixo custo.
E mais um motivo de alarme, segundo o trabalho da Newsguard, é a revelação de que a tecnologia avançou na liberação de ferramentas para a sincronização labial, "o que tornou possível usar meios disponíveis publicamente para clonar vozes sem permissão". Conclusão: mais perigo à vista.