Golpes de ódio
Por José Vieira da Cunha
O discurso de ódio viceja no meio virtual e se implanta no mundo real, escrevi semana passada aqui, ao comentar o episódio do suicida da catarinense Rio do Sul. Encerrei o texto registrando quase o óbvio: estão nas redes virtuais os que propagam o terrorismo e o apelo à bala, como combustível ideológico que estimula atos tresloucados como o do atentado em Brasília. Que está no curso da tentativa de atentado no aeroporto da capital federal em dezembro de 22. Que segue o fio das expressões antidemocráticas como o 8 de janeiro de 23. Por estas e outras é que não pode haver indulgência para com os atores de iniciativas desta natureza.
Pois não poderá ser diferente o destino dos golpistas que, encastelados nos gabinetes do poder, tramaram para chegar a um golpe de estado, em evidente agressão à vontade popular expressa nas urnas em outubro de 2022. A tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal em dezembro, os incêndios em automóveis e ônibus, a bomba no aeroporto, a invasão e vandalismo das sedes dos três poderes em 8 de janeiro, todos fatos condenáveis ocorridos na capital federal levam a uma conclusão também óbvia. Não restam dúvidas de que todo este fanatismo e radicalização estão interligados
O trabalho da PF que levou ao indiciamento de 37 pessoas, mais da metade militares, detalha como se deu a tentativa de golpe e sua íntima relação com atos que atentaram contra a democracia, como os acampamentos em frente a quarteis, manipulados, agora se sabe com precisão, pelos militares que não se conformavam com o resultado da eleição presidencial. Com o agravante de planejar a execução de autoridades - atenção, planejaram, e portanto não temos aí um simples "crime de pensamento" - e dar início à pretendida ação criminosa, abortada ainda não se sabe por quê. Quer dizer, planejaram usar a estrutura do Estado, a ponto de imprimir em equipamentos do Palácio minutas da estratégia que incluía assassinar políticos e ministros, algo inaceitável sob qualquer ponto de vista. Vale ressaltar: parte destes militares atuaram como Kids Pretos, força especial do Exército preparada para agir em missões de alto risco e sigilo, terrorismo, guerrilha e sabotagem, entre outras. "A morte como companheira" é um de seus lemas.
A origem desta intentona fracassada está muito bem escorada nas atitudes do então presidente Bolsonaro, que fez de tudo para dinamitar a credibilidade do processo eleitoral. Não apresentava nenhuma prova, mas foi sempre competente para exalar discursos que vitaminavam os apoiadores que pediam a volta da ditadura.
E agora, mais uma vez, perfis nas redes sociais tentaram minimizar a investigação da PF e mesmo desacreditá-la. No Twitter, onde mais?, as publicações mentirosas receberam incontáveis visualizações ao germinar a versão de que não havia provas de conspiração nenhuma no pais. Segue o mesmo filme: as redes do ódio atuando febrilmente, dedicadas inclusive a disseminar a estupidez de que pensar em matar alguém não é crime.
Mas o inquérito da Polícia Federal é fértil em provas que levam à conclusão de que houve sim uma articulação golpista, que em sua organização contemplava um núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral, no esforço de fazer valer a versão de que as urnas foram fraudadas. Para tanto, usavam intensivamente as redes sociais. Um uso criminoso, daí porque está mesmo na hora de regulamentá-las - regulamentá-las, não censurá-las, que fique bem claro.
Perspicaz e ferino, o jornalista Elio Gaspari foi cirúrgico mais uma vez ao refletir que todo golpe fracassado é ridículo e todo golpe vitorioso é heroico. A diferença entre um e outro sinaliza o valor da democracia.