Grafite é arte, pichação é crime

Por José Antonio Vieira da Cunha

Grafite e pichação não são duas formas de arte.

Grafitar é arte, pichar é crime.

Há controvérsias a respeito, mas em geral a forma como pichadores expressam seus "sentimentos" degrada a cidade, vandaliza prédios públicos tombados, ofende o bom senso. Em nome dela, a pichação, cometem-se barbaridades, com os proprietários, sejam públicos ou privados, tendo de arcar com despesas extras para recuperar o estado original.

Agora mesmo a escola de samba Vai-Vai resvalou neste falso entendimento de que pichação possa ter algum valor intrínseco em sua expressão. Além de tratar a polícia de uma forma polêmica, ao criticar a violência policial comparando indistintamente todos seus agentes a demônios, esbanjou elogios ao pixe. O enredo procurou celebrar os 40 anos da cultura Hip Hop no Brasil, chamando a atenção para a arte urbana em diferentes manifestações - DJ, MC, Break e Grafitti. Acertou ao exaltar a grafitagem, ao mesmo tempo em que explicitou simpatia para com a pichação, destacando a figura do pichador em uma ala especial denominada "Picho porque existo". 

A ideia de procurar mostrar a rua como espaço em constante disputa pela arte na cidade de São Paulo rendeu mais críticas devido à abordagem dada à atuação dos agentes de segurança pública. A Vai-Vai precisou se posicionar argumentando que seu desfile foi "um manifesto crítico na cidade de São Paulo, com foco nas exclusões como cultura do hip hop e seus 4 elementos - breaking, graffiti, MCs e DJs". E se defendeu com a alegação de que é de conhecimento público "que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundos, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época". Ao exaltar o hip hop, beleza, ponto para os carnavalescos. O movimento entranhou de tal maneira na cultura popular brasileira que já tem até museu em Porto Alegre, aguardando sua visita.  

Mas colocar o ato de pichar no mesmo nível do grafite, vale repetir, agride os valores deste ao mesmo tempo em que absolve os crimes daquele. Grafite é geralmente uma expressão de arte contemporânea, pichação é quase sempre vandalismo. O grafite é um processo criativo, pichação é agressão ao bom senso, uma ridícula disputa entre seus praticantes para ver quem faz mais e mais alto e no local de acesso mais difícil.

Grafitar é criar, pichar é agredir.

Deu no jornal semana passada que a mais recente vítima deste ato criminoso foi o histórico prédio da Faculdade de Medicina da Ufrgs. A edificação era alvo dos pichadores desde que, veja só, foi restaurada há pouco mais de um ano e entregue à cidade com toda sua imponência e rara beleza. Um marginal conseguiu o feito, já deve ter comemorado junto a seus iguais, e para a direção da faculdade sobrou o transtorno e o custo de restaurar, mais uma vez, um patrimônio da sociedade.

Não dá mesmo para exaltar esta ação criminosa. A Vai Vai, a propósito, graças a seus equívocos, ficou em oitavo lugar na classificação do Carnaval de São Paulo. 

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E também não é possível admitir a postura dos brigadianos que algemaram o preto que foi atacado por um branco. O preto, sangrando no pescoço, foi considerado perigoso, algemado e colocado no camburão. O branco que havia agredido o preto com uma facada no pescoço pôde ir em casa, trocar de roupa e voltar para a cena do crime. Só foi conduzido para a Polícia, porque testemunhas foram insistentes em garantir aos policiais que o preto, o que sangrava, era a vítima do branco, o que estava de roupinha limpa.

As ruas de Porto Alegre foram palco de mais um odioso caso de racismo. Há grande expectativa para se saber o desdobramento do episódio.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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