Iconoclastas e iconólatras

Por Flávio Dutra

"Mas eu também sei ser careta
De perto, ninguém é normal
Às vezes, segue em linha reta
A vida que é meu bem, meu mal"

(Meu Bem, meu Mal, de Caetano Veloso)

Tenho um amigo que, como um Dom Quixote redivivo, investe contra tudo, moinhos de vento em forma de pessoas ou instituições que sejam consideradas intocáveis pela opinião pública mas representam hipocrisia ou que sejam superestimadas em seus feitos na visão dele. As opiniões contrárias e contundentes desse guerreiro das redes sociais são publicadas tão logo uma celebridade de ocasião se sobressaia em nosso cenário contemporâneo de tantos destaques efêmeros. "Só falo verdades", justifica este justiceiro da reputação alheia, que não poupa também os serviços públicos ineficientes e onerosos para os cidadãos. Justiça seja feita: ele não escolhe desafetos, quanto maior, mais se sente desafiado a expor a face oculta dos falsos ídolos, pode ser vivo ou morto. Vou omitir exemplos para não causar constrangimentos

A verdade é que de perto ninguém é normal, como canta Caetano que, se vivesse por aqui, talvez também fosse alvo da sanha crítica do iconoclasta gaudério. 

As reações às posições dele não tardam e, às vezes, são tão ou mais incisivas do que as que emite. Aí vira queda de braço, ou melhor, duelos verbais que por pouco não descambam para a ofensa pessoal, o que não seria surpresa no ambiente conturbado das redes sociais.

Confesso, porém, que me associo ao amigo iconoclasta em suas perorações críticas ao deparar com a falsidade evidenciada em determinados episódios. É comum surgirem do nada os rebeldes de ocasião, as falsas ovelhas negras (ainda se usa o termo?) cada vez que uma celebridade de vida e carreira menos convencional falece, como ocorreu recentemente com Rita Lee. O que se viu foi uma enxurrada de novos e inflamados insurgentes contra a caretice geral, especialmente nos costumes. É mais do que ser fã da obra da artista. Tinha que louvar a rebeldia da Rita Lee, porque é isso o que movia aqueles que gostariam de se espelhar no comportamento passado dela, viver na vida real cada estrofe de suas músicas inspiradoras ou transgressoras. Suspeito, no entanto, que a maioria não passa de rebeldes de roupinhas de grife, conservadores disfarçados de contestadores. Mas é só suspeita sobre o comportamento desses que fazem o gênero iconólatras, pessoas que adoram imagens ou ícones. São conhecidas também pela aderência a qualquer onda, especialmente as mais fáceis de surfar. Efeito boiada é com eles mesmo.

Ora, direis que sou demasiadamente cruel nas minhas avaliações quando  também assumo minha porção iconoclasta, mas pego leve e não chego a ser  um degenerado dos relacionamentos como o amigo que inspirou este texto. E, como nos versos de Caetano, eu também sei ser careta.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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