IN FORMA

Por Marino Boeira

Narrativas

A CPI do Covid consagrou um termo que logo se tornou chavão nos discursos de políticos e textos de jornalistas - narrativa - quase sempre empregado como uma crítica a uma versão oposta à verdade dos fatos.

Essa última viagem de Lula ao Japão, para participar como convidado sem direito a voto, de uma reunião do G7, o clube dos países ricos que dirigia despoticamente o mundo e que agora se sente ameaçado pela Rússia e China, gerou uma série imensa de narrativas.

Os grandes jornais brasileiros trataram de enaltecer cada um dos passos e dos encontros de Lula em Hiroshima e procuraram fazer dele um personagem de importância internacional, quando na verdade tudo que importava era decidido entre os Estados Unidos, os países membros da OTAN - Alemanha, França, Itália e Reino Unidos e seus aliados militares e econômicos - Canadá e Japão. Lula e os representantes de Austrália, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Vietnã, Comoro e Ilhas Cook só estavam lá para reuniões sociais e para encontros separados com os sete grandes.

O que a nossa mídia produziu durante esses dias, foram várias narrativas.

A propósito: o que será que o representante de Comoro, também chamado de Ilhas Comores, quatro pequenas ilhas na costa da África, com menos de 1 milhão de habitantes e as Ilhas Cook, um conjunto de pequenas ilhas no sul do Pacífico, com menos de 20 mil habitantes e ligadas politicamente a Nova Zelândia, estavam fazendo em Hiroshima?

Uma das bandeiras de Lula em seu novo governo seria o retorno a uma política externa independente, que na verdade nunca existiu porque o País, desde FHC, sempre, no essencial, esteve atrelado aos interesses dos Estados Unidos.

Se sua ida a Hiroshima pretendia alcançar esse objetivo, errou desde o início. O encontro foi marcado declaradamente para discutir políticas de pressão econômica e militar contra Rússia por causa da Ucrânia.

Caso Lula e seu principal assessor internacional Celso Amorim, não se informem sobre política internacional apenas pelo New York Times e o Washington Post, deveriam saber que a Ucrânia, desde 2014, foi armada para sangrar a Rússia agindo militarmente contra as populações russas do Donbass e que a aliança dos russos com os chineses motivou os governos americano e europeu a jogar uma cartada de vida ou morte contra a Rússia agora e a China mais tarde.

Ao aceitar o convite para a cúpula do G7, Lula escolheu um lado no conflito - o do G7 - e isso transformou seus discursos em favor da paz e das boas relações entre todos os povos em narrativas. E pior, narrativas ingênuas.

Mas isto não era tudo: preocupado em não assumir publicamente um lado, ainda que na prática estivesse no mesmo compasso dos Estados Unidos, Lula hesitou durante algum tempo em aceitar o convite de Zelensky para um encontro privado. Quando aceitou finalmente, o presidente ucraniano o deixou esperando. Não apareceu e nem deu uma desculpa qualquer.

É muito triste para nós ver o Presidente do Brasil ser desconsiderado publicamente por um pequeno comediante que os americanos transformaram em presidente de um estratégico país europeu.

 E isso, infelizmente, não é uma narrativa.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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