IN FORMA

Por Marino Boeira

A história esquecida

O químico francês Antoine Laurent de Lavoisier, em 1773, descobriu uma lei da química fundamental para a disciplina que estudava e também para o entendimento da evolução do homem. Afirmou ele que, em uma transformação química, a massa dos produtos é igual à massa dos reagentes. Essa lei fundamental foi depois traduzida de forma ampliada para "no mundo nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".

Vivemos num universo sem fronteiras, sem começo e sem fim e em transformações permanentes de tudo, inclusive do ser humano.

Ponto mais alto da evolução das espécies, dotado de algo extraordinário, que é a capacidade de pensar sobre si mesmo, o homem nunca se conformou com essa falta de limites, desde que, em algum momento histórico, por razões aleatórias e imprevisíveis, deu o grande salto, passando da condição de símio a de homem pensante.

Quase que imediatamente começou a buscar uma explicação para a sua diferença fundamental dos outros seres vivos, os animais.

Ao observar que suas transformações físicas durante a vida pareciam findar com a morte, se recusou a pensar que ela era apenas mais uma transformação e passou a se dedicar a busca do começo de tudo isso e como consequência, do seu fim.

Nasciam aí as religiões, primeiro de forma primitiva, com o culto às forças da natureza, depois a deuses materializados, até chegar às formas evoluídas das grandes religiões que existem até hoje, casos do judaísmo, do cristianismo e do islamismo.

A par de algumas diferenças menores, as grandes religiões enxergavam na capacidade de elaborar pensamentos sobre a memória do passado e as previsões do futuro, como algo com existência independentemente da parte física do corpo. Alma, espírito, seja qual for o nome, seria uma entidade independente da matéria.

Mesmo com os exemplos de que essa alma ou espírito envelhecia junto com o corpo físico (casos de pessoas que sofrem da doença de Alzheimer ou de demência) esse conceito de uma entidade independente e superior ao corpo físico prosperou e foi a base de todas as religiões.

Ao mesmo tempo que elas pretendiam dar ao homem uma resposta para suas ansiedades, as religiões ganharam com o tempo uma função política.

Em sociedades divididas por classes, as religiões se transformaram em instrumentos de dominação das elites dominantes e passaram a ser organizadas para servirem aos seus interesses.

O objetivo maior sempre foi de contrariar a lei de Lavoisier e garantir que houve um início - a criação da terra e do homem por um Deus poderoso - e um fim, quando esse homem seria julgado por seus atos na terra.

O extraordinário valor das religiões para as classes dominantes é que elas permitiram que se criasse um imenso sistema de valores, onde o seu ponto máximo era a obediência a uma série de regras que garantisse a continuidade do sistema.

Um olhar rápido sobre a história dos povos nos mostra que em todos esses sistemas políticos - do Absolutismo do século XVI ao chamado Estado Democrático de Direito dos dias de hoje - o direito à contestação do sistema vigente, sempre foi negado e quem não obedecesse à essa regra de ouro deveria ser punido.

Olhando o Brasil recente por esse viés, nos damos conta que tanto Bolsonaro, como Lula, cada um à sua maneira, são iguais na defesa do sistema sócio econômico que representam e usam a religião como desculpa para isso.

Católico, um, o Lula e evangélico pentecostal o outro, Bolsonaro, os dois são defensores acérrimos de que se ignore a lei de Lavoisier que diz que no mundo nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

Conhecer essa lei nos ajuda a entender que mesmo que a função fundamental do ser humano seja a preservação da espécie, ele foi capaz de construir tipos de sociedade cada vez mais aperfeiçoadas e distantes das primitivas hordas selvagens.

Agora, só faltam poucos passos: primeiro, a construção do Socialismo, onde "Cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo seu trabalho", até chegarmos depois ao Comunismo onde viveremos numa sociedade cujo lema será: "De cada qual segundo sua capacidade; a cada qual segundo suas necessidades".

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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