In forma (10/06/2025)

Por Marino Boeira

O MITO DO JORNALISMO IMPARCIAL

Um dos maiores mitos que as pessoas que se dizem politicamente corretas defendem é o da imparcialidade da imprensa.

O jornalismo não é e não deve ser imparcial. Ele deve ter sempre um lado, de preferência aquele que representa o avanço da conquistas humanitárias.

O jornalismo, originalmente na sua versão impressa em jornais, boletins, folhetos e mesmo em livros, teve quase sempre uma origem política. Marx defendeu o comunismo na Nova Gazeta Renana (Neue Rheinische Zeitung) e também no New York Daily Tribune.  Lenin e seus camaradas da Revolução Russa usavam o Iskra (Centelha) e depois o Pravda (Verdade) para divulgar suas idéias revolucionárias.

A luta pela abolição do escravismo no Brasil ganhou destaque na imprensa com o "O Abolicionista", órgão da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão (SBCE), lançado em 1880 no Rio de Janeiro.

Em 1887, José do Patrocínio começou a editar no Rio de Janeiro o vespertino de quatro páginas no formato standard chamado Cidade do Rio para defender a causa abolicionista.

Só mais modernamente com a consolidação da sociedade burguesa na sua versão mais democrática e fruto da influência dos Estados Unidos, começou a se difundir a idéia de que a imprensa deveria ser isenta de paixões políticas e retratar as contradições da sociedade.

Os jornalistas acreditaram nessa história e pessoalmente ou através das suas organizações representativas, começaram a defender a idéia da isenção dos veículos e seus profissionais, mesmo que isso contrariasse os exemplos históricos.

Vamos lembrar alguns exemplos dessa parcialidade política, começando pela Rede Globo. Nascida como fruto do pioneiro jornal O Globo, criado em 1925, no Rio de Janeiro, a TV Globo surgiu em 1957 e adquiriu o poder que tem hoje (123 emissoras entre próprias e afilhadas e a segunda rede comercial do mundo, atrás apenas da americana - ABC), depois do acordo em 1962 com o grupo Time-Life. Desde então se engajou na defesa das piores causas políticas do Brasil, como a defesa do golpe de 64 e da ditadura militar que a seguiu.

O golpe militar de 1964 foi apoiado abertamente pela grande imprensa brasileira da época (Jornal do Brasil, O Globo, Estadão e Diários Associados). O Correio da Manhã que se destacou no apoio ao golpe com seus dois famosos editoriais "Chega" e "Basta" se tornou depois um crítico dos militares ao dar espaço para o jornalista Carlos Heitor Cony,  que se tornou o mais destacado adversário do Golpe com suas crônicas O Ato e o Fato.

Nos Diários e Emissoras Associados, com a revista O Cruzeiro, jornais e emissoras de rádio e TV espalhadas pelos Brasil (aqui no Estado, o Diário de Notícias, a TV Piratini e a rádio Farroupilha) o interesse jornalístico e comercial se misturavam. O seu líder máximo Assis Chateaubriand ficou famoso por extorquir do governo, benesses pessoais (cargo de embaixador em Londres); da alta burguesia paulista, benesses culturais (criação do Museu de Arte Moderna de São Paulo) e de empresários de todo o Brasil, anúncios em seus veículos, tudo isso em troca de apoio jornalístico.

Samuel Wainer criou o jornal Última Hora para apoiar o governo Vargas em vários estados. Aqui no Rio Grande do Sul, ele teve um papel ativo na defesa da Legalidade de Leonel Brizola, mas foi perseguido e fechado logo depois do golpe de 64. O grupo de empresários que criou no seu lugar o jornal Zero Hora, liderado pelo jornalista Ary de Carvalho, logo no seu primeiro número saudou o golpe de 64, chamado eufemisticamente de Revolução.

Mais adiante o jornal Zero Hora seria adquirido pelo radialista e animador de programas de auditório Maurício Sirotsky e seria o embrião do grupo RBS, reunindo jornais, emissoras de rádio e de televisão.

Logo que começou o genocídio em Gaza, Zero Hora publicou um "A pedido", assinado pelos seus diretores e por grandes empresários locais em defesa das posições de Israel.

Hoje, quando, mais do que nunca, a régua moral que divide o mundo, é a posição em relação ao genocídio do povo palestino, o jornal Zero Hora, integrante do grupo RBS da família Sirotsky, continua chamando o Hamas de grupo terrorista e mesmo disfarçadamente defende a agressão do estado colonialista e racista de Israel contra o povo palestino.

Depois de todos esses registros históricos é hora de acabar com essa ladainha de imparcialidade da imprensa e que cada um assuma o lado que achar o mais correto.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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