Jornalismo maiúsculo

Por Vieira da Cunha

Não podem passar batido os quarenta anos do jornal JÁ e o que ele representa no cenário da comunicação. É um raro caso de imprensa independente que resiste graças à determinação, talento e teimosia de seu diretor Elmar Bones. Desde os tempos do Coojornal, lá em meados dos anos 70, Elmar foi um obstinado defensor de meios de comunicação alternativos que se contraponham à concentração de mídia em nosso ambiente e contribuam para alongar o exercício da democracia. Segue erguendo essa bandeira.

Mesmo o JÁ é originalmente um exemplo de esforço coletivo, pois iniciou em agosto de 1985 com cerca de 10 sócios. Por diferentes razões e interesses, foram ao longo dos anos se afastando, mas Elmar resistiu. E resistiu com obstinação, enfrentando processos por exercer simplesmente o direito de informar. Um caso exemplar é a reportagem investigativa sobre o escândalo na CEEE envolvendo o empresário Lindomar Rigotto - um trabalho jornalístico tão competente que foi premiado pela Associação Riograndense de Imprensa, a ARI. Apesar de reproduzir fatos e se ater ao que está revelado em investigações oficiais, o jornal foi condenado na instância civil a pagar uma indenização equivalente hoje a mais de R$ 100 mil.

O início das comemorações do niver do jornal foi há três semanas, quando a ARI, sempre ela, acolheu representantes de veículos alternativos para um debate. Nele Elmar enfatizou o mantra que defende há décadas para caracterizar: o exercício de um Jornalismo que parte do princípio de que "o importante é a população, é a cidadania, e que o nosso trabalho é um serviço público. Nós, querendo ou não, somos uma espécie de funcionários públicos porque prestamos um serviço essencial. E diferentemente dos grandes grupos de comunicação, alinhados em uma espécie de discurso único, que muitas vezes limita sua própria liberdade editorial, os veículos independentes são  guardiões da diversidade e pluralidade das opiniões, elementos vitais para um ambiente democrático saudável".

Seguindo à risca o que prega, Elmar se empenha agora em mais duas batalhas. Uma delas é a tentativa de articular os veículos independentes para que unam suas experiências e atuem pela implantação de um sistema de comunicação efetivamente pública no país. Que, entre outros objetivos, lute contra os desertos de notícias: hoje, um a cada 10 brasileiros vive em locais que não têm nenhuma iniciativa de mídia voltada para a população local.

A segunda batalha está voltada para concretizar a ideia de criação de uma cooperativa de leitores. Não há nada similar no país, talvez também no mundo, daí a dificuldade inicial para identificar a melhor forma de funcionamento. O objetivo é bem claro: a organização criar um fundo para sustentar projetos jornalísticos e a mídia independente. 

São duas baitas iniciativas, cuja implementação depende da adesão dos que simpatizam com a ideia de um Jornalismo que mereça a inicial maiúscula.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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