Líder não por acaso
Por Renato Dornelles

O Brasil tem vivido neste mês de setembro semanas tensas e agitadas nos gabinetes dos principais poderes e nas ruas. A democracia, historicamente instável no país, sofre constantes ameaças, mas resiste.
Entre os fatos, a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, a aprovação da historicamente nociva "PEC da Blindagem" (que vigorou entre 1988 e 2001) e a aprovação do regime de urgência para o projeto da anistia aos envolvidos em atos antidemocráticos.
Nas ruas, tivemos dois tipos de manifestações. No Dia da Independência, tendo como pano de fundo o pedido de perdão para os presos e condenados por tentativa de golpe, foi a vez dos autointitulados "patriotas" e "democráticos", que levaram para a Avenida Paulista, o maior palco, uma bandeira gigante dos Estados Unidos (a maior do ato) e pedidos de volta da ditadura.
No mais recente final de semana, insuflados e indignados pelas aprovações da "PEC da Blindagem" e da urgência para a votação do projeto de anistia, outras centenas de milhares de brasileiros foram às ruas, contra a proposta que visa proteger deputados e senadores contra processos (inclusive em casos de crimes como homicídios, estupros e tráfico de drogas, por exemplo) e contra o perdão aos antidemocráticos.
Em busca da anistia ou outra forma de livrar os condenados por tentativa de golpe, a extrema-direita joga pesado. Nos Estados Unidos, recebendo salário pago com dinheiro púbico, o ainda deputado federal Eduardo Bolsonaro faz lobby junto a autoridades norte-americanas na tentativa de obter sanções para autoridades brasileiras e para o próprio país, como forma de pressionar os poderes Judiciário e Legislativo para que livrem seu pai das condenações.
Em Brasília, para forçar a votação do projeto de anistia, deputados federais (basicamente, os mesmos da aprovação da "PEC da Blindagem") chegaram a promover um motim na Câmara dos Deputados, impedindo o seu funcionamento.
Por mais que tentem justificar ou alegar que o pedido de anistia é para beneficiar as pessoas que participaram dos atos de 8 de janeiro, está muito claro que o objetivo é livrar Jair Bolsonaro.
Sobre isso, o próprio filho Eduardo, em mensagens trocadas com o pai, menosprezou a situação dos invasores das sedes dos três poderes. E o próprio ex-presidente, em depoimento no STF, tentando livrar a própria pele, chamou essas pessoas de "malucas". Por isso, os deputados da direita radical insistem em "anistia ampla, geral e irrestrita".
Refletindo sobre isso, vejo o quanto Bolsonaro é importante para esse seguimento político, a ponto de não permitirem qualquer outra ação ou pauta na Câmara enquanto a anistia não for votada. Enquanto isso, pautas e projetos de cunho popular, como o de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, seguem sem análise e votação.
O ex-presidente e seus seguidores alegam que ele é perseguido pelo Supremo Tribunal Federal, discurso assumido também na Casa Branca. Mas o histórico de Bolsonaro mostra condenações na esfera cível em diferentes instâncias do Judiciário.
O tribunal de Justiça de São Paulo o condenou a indenizar uma jornalista por, durante o seu mandato presidencial, usar uma piada machista e infantil contra ela, utilizando em visível duplo sentido a expressão "furo".
Pela Justiça do Distrito Federal, Bolsonaro foi condenado a pagamento por danos morais por constrangimento a adolescentes venezuelanas, em uma manifestação recheada de preconceitos, como aporofobia, entre outros.
Agora, há poucos dias, a Justiça Federal condenou o ex-presidente ao pagamento de indenização no valor de R$ 1 milhão por afirmações racistas. Essas são apenas algumas de suas condenações na esfera civil.
Não se aplica a todos os que votam em Bolsonaro, mas, para uma boa parcela do "bolsonarismo", ele não é considerado um líder, um herói e chamado de mito por acaso. Para uma parte, temas como machismo, racismo, aporofobia são irrelevantes ou de menor importância. Para outros, negacionistas, são fenômenos inexistentes, frutos do "vitimismo".
Para outros tantos, porém, neste contexto, numa sociedade marcada pelo preconceito, ele significa um representante capaz de dizer muito do que pensam e defendem. Para esses tantos, pouco importam as suas condenações na esfera cível.