Mais armas nas mãos do crime

Por Renato Dornelles

Entre janeiro e outubro deste ano, 1.259 armas pertencentes a colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs) foram roubadas, furtadas ou perdidas. A média é de 126 por mês ou quatro por dia. O número supera o total de ocorrências do tipo registradas nos 12 meses do ano passado.

Era previsível. Duvido que não fosse inclusive para os defensores da política armamentista que, em tese, pregavam que o aumento do número de armas em circulação reduziria os índices de criminalidade. Uma clara contradição. A política de flexibilização do acesso a esses equipamentos, como não poderia ser diferente, provocou um grande aumento de armas legalizadas em mãos de civis. Inclusive, tipos até então de uso exclusivo das Forças Armadas e das polícias. 

No Rio Grande do Sul, por exemplo, o número de armas nas mãos de CACs passou de 65.578 para 148.526, entre dezembro de 2018 e o primeiro semestre do ano passado. No país, o número saltou de 350.638 para 1.006.735. Ou seja: 187% a mais. O período corresponde às assinaturas dos decretos de flexibilização do acesso às armas.

É importante lembrar que, com seus atos administrativos do governo Bolsonaro, passou a ser permitido um limite de registro de 60 armas de fogo para atiradores (30 de calibre restrito), 30 para caçadores (15 de calibre restrito) e sem limites para colecionadores. Ainda no ano passado, o Supremo Tribunal Federal suspendeu trechos dos decretos. Também não por acaso, votaram contra a suspensão apenas os ministros Nunes Marques e André Mendonça, os dois indicados à Suprema Corte por Bolsonaro.

É importante também lembrar de casos que não tiveram muita divulgação, da comprovação do uso de armas legalizadas pelo crime organizado.  Entre esses, um ocorrido no Rio de Janeiro onde 26 armas, entre as quais, fuzis, foram  repassadas para traficantes de favelas. 

No Rio Grande do Sul, em dezembro de 2021, em um assalto a um carro-forte em Guaíba, na Região Metropolitana, os criminosos, que estavam disfarçados de policiais civis, usaram fuzis devidamente registrados. Investigações também apontavam o uso de "laranjas" para a compra de armas de forma legal pelos grupos organizados, incluindo a maior facção do país, com base em São Paulo.

Em uma entrevista, no ano passado, o advogado e mestre em políticas públicas Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz, de São Paulo, me disse que os decretos facilitaram muito o acesso do crime organizado a armas. Antes, uma facção pagava até R$ 60 mil para a aquisição de um fuzil e ainda necessitava de toda uma logística para o contrabando da arma. Após o decreto, com um terço do valor e o uso de "laranjas" passou a adquiri-las.  

Autor
Jornalista, escritor, roteirista, produtor, sócio-diretor da editora/produtora Falange Produções, é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (1986), com especialização em Cinema e Linguagem Audiovisual pela Universidade Estácio de Sá (2021). No Jornalismo, durante 33 anos atuou como repórter, editor e colunista, tendo recebido cerca de 40 prêmios. No Audiovisual, nos últimos 10 anos atuou em funções de codireção, roteiro e produção. Codirigiu e roteirizou os premiados documentários em longa-metragem 'Central - O Poder das Facções no Maior Presídio do Brasil' e 'Olha Pra Elas', e as séries de TV documentais 'Retratos do Cárcere' e 'Violadas e Segregadas'. Na Literatura, é autor dos livros 'Falange Gaúcha', 'A Cor da Esperança' e, em parceria com Tatiana Sager, 'Paz nas Prisões, Guerra nas Ruas'. E-mail para contato: [email protected]

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