Mídia tóxica
Por José Vieira da Cunha
De 31 de agosto a 8 de outubro, a rede X ficou fora do ar. Mais de um mês inativo no Brasil, e o que mudou? Sugeri a este portal que ouvisse os influenciadores em mídia no Estado para saber quanta falta fez, ou não fez, o ex-Twitter. Infelizmente esta curiosidade sadia não foi contemplada, mas há poucas dúvidas de que, se falta fez, foi uma carência insignificante. O X é que ficou menor. O dono Elon Musk foi humilhado no enfrentamento ao Judiciário brasileiro, pagou a multa de quase 20 milhões de reais, nomeou o representante que a lei exige ter no país, enfiou a viola no saco e fez de conta que nada de mais aconteceu.
Suas ações, a exemplo desta, que revelam seu caráter instável e sua postura megalomaníaca, custam caro ao empreendedor de bússola tão desregulada. O mais recente golpe foi pouco divulgado por aqui, mas é relevante e vale registro: na semana passada, o Guardian, jornal britânico independente, e o La Vanguardia, diário espanhol fundado no século 19, dois veículos de comunicação respeitáveis, iniciaram o processo de desembarque do X.
Os aspectos negativos são maiores do que eventuais benefícios de estar no X, informou o Guardian, iniciando o processo de desativação de suas 80 contas que atingem uma legião nada desprezível de 27 milhões de seguidores. Na manifestação a seus leitores, o jornal alega que a campanha eleitoral dos EUA "serviu apenas para sublinhar o que consideramos há muito tempo: que o X é uma plataforma de mídia tóxica e que seu proprietário, Elon Musk, conseguiu usar sua influência para moldar o discurso político".
Para o La Vanguardia, atenção para a justificativa, o que pesou foi o fato de a rede se apresentar hoje mais como um canal de desinformação e de propagação de teorias da conspiração. E bateu forte na argumentação: "Este jornal avalia que ideias que violam os direitos humanos, como o ódio às minorias étnicas, a misoginia e o racismo fazem parte do conteúdo viral que é distribuído no X e captam mais tempo dos usuários, com o intuito de ganhar mais dinheiro com inserções publicitárias".
No Brasil o ex-Twitter não fez falta e os acontecimentos estão evidenciando que sua carga tóxica ainda pulsa entre nós. Agora mesmo, o episódio do catarinense enlouquecido e suas bombas brasilienses teve cordial acolhida por parte de contas identificadas como de teor neonazista ou extremista, que aplaudiram o atentado ao Judiciário, com postagens em comemoração ao malfeito do chaveiro de Rio do Sul. Não há como se enganar quanto ao teor belicista destes patéticos internautas divulgando mensagens com símbolos nazistas e as inevitáveis ameaças ao Supremo e ao Congresso. É o discurso de ódio que, com o beneplácito de Musk, viceja no meio virtual e se implanta no mundo real.
Estão ali os que propagam o terrorismo e o apelo à bala, como combustível ideológico que estimula atos tresloucados como o do atentado em Brasília. Que está no curso da tentativa de atentado no aeroporto da capital federal em dezembro de 22. Que segue o fio das expressões antidemocráticas como o 8 de janeiro de 23. Por estas e outras é que não pode haver indulgência para com os atores de iniciativas desta natureza. Não mesmo.