Milícias são a prova de que tudo pode piorar

Por Renato Dornelles

Uma das mais belas cidades do planeta, conhecida por seus inúmeros cartões postais, volta a viver o pesadelo provocado pela criminalidade. Nesta semana, milicianos incendiaram 35 ônibus e um trem na zona oeste do Rio de Janeiro, como forma de represália pela morte de um de seus líderes, abatido em confronto com a polícia.

Se em décadas passadas os moradores da Cidade Maravilhosa, principalmente os da periferia, sofriam com o domínio das facções criminosas e com a guerra entre elas, hoje, além do tráfico, há as milícias para oprimi-los e deixá-los sob fogo cruzado. No excelente livro 'A República das Milícias: dos Esquadrões da Morte à Era Bolsonaro"' vencedor do 'Prêmio Jabuti' de Literatura na categoria Biografia, Documentário e Reportagem, em 2021, o jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso descreve a trajetória desses grupos paramilitares.

Durante o período da ditadura civil-militar (1964-1985), milícias foram criadas, com a participação de policiais, sob a alegação de que era necessário combater os avanços do tráfico de drogas e do crime organizado. Em um período mais recente, policiais corruptos, que extorquiam traficantes, se deram conta de que poderiam faturar muito mais se expulsassem os vendedores de drogas.

Concretizada a expulsão dos traficantes, os milicianos passaram a explorar, de forma ilegal, nas comunidades, serviços como a recepção não autorizada do sinal de TV por assinatura (o chamado "gato net") a venda de gás, entre outros, e também a cobrar taxas por uma suposta segurança.

Há alguns anos, o Estado aparentemente reagiu à ação dos grupos organizados. Em megaoperações, envolvendo as forças policiais, com apoio das Forças Armadas, os morros então dominados pelas facções criminosas foram tomados. Muitos traficantes apareceram ao vivo, em transmissões de TVs, enquanto fugiam. Os noticiários falavam da tomada dos morros pelas forças estatais, mas não citavam prisões.

Na sequência, foram instaladas as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), com fortes aparatos repressivos, em tese, para deixar os morros livres do famigerado, opressivo e opressor controle exercido por traficantes. Mas a proposta não avançou no campo social, com a não efetivação do programa UPPs Sociais, que visava o avanço urbano, social e econômico das favelas que tinham Unidades de Polícia Pacificadora.

Também questionáveis são os reais objetivos das UPPs. As unidades não foram instaladas em todas as comunidades dominadas por traficantes. Críticos do programa dizem que, estrategicamente, só foram instaladas em favelas próximas a locais por onde, de alguma forma, passariam os dois grandes eventos programados para a cidade na década passada: Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016.  

As UPPs acabaram fracassando. O tráfico voltou a dominar áreas importantes e as milícias avançaram, para a tristeza de moradores e turistas da capital de um Estado que teve presos cinco de seus últimos governadores: Luiz Fernando Pezão (2014-2018), Sérgio Cabral (2007-2014), Rosinha Garotinho (2003-2006) Anthony Garotinho (1999-2002), Moreira Franco (1987-1991). E ainda teve Wilson Witzel afastado. Em 2020, o então prefeito do Rio, Marcelo Crivella também foi preso...

Autor
Jornalista, escritor, roteirista, produtor, sócio-diretor da editora/produtora Falange Produções, é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (1986), com especialização em Cinema e Linguagem Audiovisual pela Universidade Estácio de Sá (2021). No Jornalismo, durante 33 anos atuou como repórter, editor e colunista, tendo recebido cerca de 40 prêmios. No Audiovisual, nos últimos 10 anos atuou em funções de codireção, roteiro e produção. Codirigiu e roteirizou os premiados documentários em longa-metragem 'Central - O Poder das Facções no Maior Presídio do Brasil' e 'Olha Pra Elas', e as séries de TV documentais 'Retratos do Cárcere' e 'Violadas e Segregadas'. Na Literatura, é autor dos livros 'Falange Gaúcha', 'A Cor da Esperança' e, em parceria com Tatiana Sager, 'Paz nas Prisões, Guerra nas Ruas'. E-mail para contato: [email protected]

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