Mulheres na vida pública sofrem violência digital
Por Márcia Martins

A participação das mulheres na vida pública e empresarial, apesar de inegáveis avanços, ainda está longe do ideal. E, às vezes, a explicação para essa pouca representatividade é bem simples. Em todos os segmentos, profissões e cargos, as mulheres sofrem violências repetidas, de todas as formas, e que, em muitos casos, as afastam. Piadas machistas do tipo "vai lavar uma louça, a pia da casa deve estar cheia" ou convites nada sutis sugerindo que as mulheres não emitam suas opiniões e silenciem ou expressões de desaprovação sempre que a mulher formula uma tese adequada são apenas alguns exemplos de violência.
Pois um estudo do Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud), feito em oito países, mostra que é preocupante a violência digital a mulheres na vida pública. Uma em cada cinco interações com mulheres em redes sociais, dos países pesquisados, são de caráter violento. Em Portugal, único país lusófono do estudo, 60% das interações violentas dirigidas a mulheres com visibilidade pública nas redes sociais subestimam as suas capacidades ou questionam o seu direito à opinião. E um quinto destes ataques nem se refere às ideias expressas nas suas redes. É um ataque meramente pessoal.
Assim, realmente fica desanimador para as mulheres ocuparem cargos públicos, parlamentares e profissões com maior visibilidade. É o que revela o estudo que analisou milhares de comentários online e envolveu oito países: Andorra, Bolívia, Espanha, México, Panamá, Portugal, República Dominicana e Uruguai. A chefe da Equipe de Prevenção e Violência Doméstica da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Gênero de Portugal, Marta Silva, conclui que a violência digital é usada para demover a mulher do Estado democrático com o objetivo de silenciar sua voz na esfera pública.
"O digital não traz nada de novo, o que traz é a forma como a violência se opera e como as coisas continuam estratificadas e, no fundo, é mais um veículo onde a discriminação e a violência se instala", afirma Marta. E em Portugal, em que foram analisadas 43 contas de mulheres com presença pública ativa (políticas, jornalistas, artistas e ativistas) na rede social X, os ataques não se centravam no debate de ideias, e sim na tentativa de descredibilizar a mulher enquanto sujeito político. As ofensas, explica Marta, tentam reconduzir as mulheres a exercerem serviços domésticos.
Embora o Brasil não tenha constado do estudo, a situação aqui não é nada diferente. Principalmente em períodos eleitorais, as candidatas sofrem ataques de todas as espécies e, muitas vezes, vindos inclusive de candidatos homens. As violências costumam se intensificar quando tais mulheres são eleitas porque é difícil, numa sociedade patriarcal, aceitar a participação feminina. Além da capacidade para atuar no parlamento, questionada nos ataques, o ativismo em causas de gênero, saúde sexual e reprodutiva e direitos humanos motivam as agressões.
Precisamos, por isso, seguir lutando para aumentar a representatividade das mulheres e incentivá-las a persistirem na vida pública, apesar dos ataques. Precisamos, por isso, desconstruir, todo dia o machismo e o preconceito para que as mulheres se sintam seguras e confortáveis nas posições que alcançaram. Precisamos, por isso, mostrar que estamos mais unidas e fortes do que nunca.