Nós, mulheres, também trabalhamos e sabemos governar
Por Márcia Martins
Sou mulher, independente, dona do meu nariz, 64 anos bem vividos. Jornalista formada, mãe de uma mulher excepcional, avó de cachorro, trabalhei ininterruptamente dos 23 anos aos 58, quando me aposentei por motivos de doença. Ativista de movimentos sociais e feministas que jamais fugiu à luta. Pelo contrário, mesmo aposentada, procuro estar sempre - quando a doença crônica que tenho desde 2003 permite - disposta a defender a igualdade de direitos, a justiça social, o fim de todo e qualquer tipo de preconceito e discriminação. Nunca ganhei nada de mão beijada. Mas sempre corri atrás dos meus sonhos.
Por isso, disparou um gatilho muito desagradável uma afirmação contida na propaganda eleitoral do atual prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, candidato à reeleição. Um garoto caminhando pelas ruas que só existem na tal campanha do prefeito dispara: "enquanto elas atacam, ele trabalha". Uma frase extremamente sexista que pretendia atingir as duas candidatas mulheres que concorrem à eleição da capital gaúcha, Maria do Rosário e Juliana Brizola. Uma declaração machista, misógina, descontextualizada de todo o papel das mulheres na sociedade.
A tal afirmação do atual prefeito - contestada apenas pela candidata Juliana Brizola (pelo menos que eu tenha visto, posso estar enganada) - configura um desrespeito sem precedentes a todas as mulheres da cidade. Principalmente porque vem embutida, mesmo que subliminarmente, de um estereótipo de que as mulheres atacam, são histéricas, são destemperadas. E, talvez, segundo o entendimento do prefeito, não possam também governar.
Não é de se estranhar tal pensamento de Sebastião Melo - e não me venham com a teoria de que ele tem uma mulher como vice na chapa, porque este argumento se assemelha a quem comete um ato racista e justifica dizendo que até tem um amigo negro. Basta lembrarmos que nos quatro anos da gestão do atual prefeito, ocorreu um desmantelamento das políticas públicas para as mulheres, que a rede de enfrentamento à violência contra as mulheres pouco se reuniu, não ocorreram programas de geração de renda para que as mulheres que sofreram algum tipo de violência pudessem buscar a reinserção no mercado.
É incrível (contém ironia)! Nós mulheres não atacamos. Somos atacadas. Fazemos tantas coisas. Em jornadas de trabalhos de três turnos, que não caberia citar aqui (faltaria espaço). As mulheres trabalham enlouquecidamente, e nem sempre tem a mesma remuneração que os homens ao exercerem iguais funções. Cuidam de muita gente. Não só de filhos e filhas quando são mães solos. Mas de parentes, amigas, vizinhas. Administram orçamentos (os seus e eventualmente de pais idosos). Levam e buscam seus rebentos pequenos nas creches e nas escolas, aos médicos, aos aniversários de coleguinhas e etc?
E, para desespero de muitos, essas "loucas" que atacam ainda sabem governar muito melhor que alguns homens (e não vou generalizar como fez o prefeito porque sei que existem exceções). Seria bom que, nas propagandas políticas, a mulher não sofresse nenhum tipo de violência, mesmo verbal ou psicológica.