Nova revolução dos bichos
Por Fraga
Em Brasília, numa tarde de julho deste famigerado 2020, três animais receberam bilhetes em letra horrível.
Diziam o seguinte: Runião inportanti da bixarada oje oitu da noiti atrais da Fazenda. PS lê os livro que ten lá.
O trio destinatário dos papeizinhos eram um cavalo, um cachorro e uma cobra naja.
Apesar da feia caligrafia e pior ortografia, cada um julgou acertado comparecer. Afinal, uma das palavras estava escrita sem erro, e o PS prometia leitura grátis.
Pontuais, chegaram juntos ao local. Os três fizeram a mesma pergunta: quem convocou essa reunião? Ninguém sabia.
Aí viram os livros: um álbum gráfico com o título A Revolução dos Bichos. Era uma adaptação dum tal de Odyr Bernardi da obra dum tal de George Orwell.
Atraídos pela belezura visual, o cavalo, o cachorro e a naja logo leram, prazerosamente.
O cavalo comentou: puxa, que coragem dessa turma! O cachorro opinou: achei todos bem unidos. A naja resmungou: é, muito bom, mas faltou cobra nessa história.
Foi quando chegou a ema, toda altiva. Todos viram que era ela a anfitriã da reunião - trazia mais exemplares debaixo da asa. Ela então falou: Bem-vindos, animados parceiros! Essa noite não será igual às noites do passado.
E explicou a diferença: Precisamos nos mobilizar e mudar a situação dos animais ao redor do Planalto. Chega de abusos da nossa classe!
Ninguém sabia do que ela estava falando. Mas como falava melhor do que escrevia, prestaram atenção.
A ema continuou: Vocês não estão cansados dessa má companhia? Cavalo, você não lembra do peso esmagador em cima de você? Esqueceu que aquele desprezível tinha relho e esporas? São ameaças potenciais à sua saúde!
A ema virou-se e disse: Cachorro, você não notou que foi sequestrado por aquela família maluca, que até trocaram seu nome? Você passou dias longe dos seus donos, ouvindo falsidades e atrocidades. Lembra do seu rabo entre as pernas?
Aí mirou a cobra: Naja, querida, tratam você como inferior e por isso você rasteja. Pra piorar, um peçonhento servidor do Ibama é suspeito de facilitar o seu contrabando. Pense nessa condição humilhante, no cerceamento do seu direito de ir e vir. Reaja, Naja!
Empolgada, a ema prosseguiu: Quanto a mim e outras companheiras, sofremos atentados. Um, alimentício, com sei lá o quê na mão daquele prepotente. Outro, farmacêutico, com uma droga perigosa oferecida pra mim. Tivemos que bicar pra defender nossas vidas!
Ao grupo, a ema apelou: temos que dar um basta a isso tudo! Proponho convocar todos os animais próximos da Fazenda, demais ministérios e arredores. Vamos espalhar esses livros. Devemos começar nossa revolução libertária!
O cavalo, o cachorro e a naja estavam admirados. Perceberam a força da liderança. E foram ouvidos entusiasmados relinchos, latidos e silvos de aprovação.
O cavalo sugeriu: Ouço falar de porcos no congresso, aves de rapina na câmara e antas no senado, temos que chamá-los. E o cachorro lembrou que havia gatunos em Brasília, não podia faltar representantes na revolução. Na vez da naja, ela se referiu ao ninho de serpentes que era o governo.
A ema ergueu uma asa e acalmou o pessoal: Gente, temos que ser seletivos. Nem todos esses animais são da nossa espécie. Precisamos de bom senso, algo quase inexistente em Brasília. Orwell e Odyr serão a nossa inspiração!
Daquela noite marcante resultaram planos e estratégias.
A ideia não é pegar em armas, apesar do armamentismo estar em alta no país. A ema propõe algo mais revolucionário: um filme. Um épico que valorize princípios democráticos e promova o bem-estar coletivo.
Para influenciar as massas, eles próprios querem interpretar seus papéis. É um projeto pro streaming, pois não há previsão de reabrir cinemas. Até já escolheram seus nomes artísticos: Ema Thompson, Incitatus, Baskervilles e Naja Desnuda.
Vamos torcer que dê certo, já que no Brasil nada mais tem dado.