O assassinato de uma mulher e as narrativas que misturaram novela e realidade

Por Marina Mentz

Uma série documental, lançada em 2022, ilustra muito bem o que acontece quando unem-se: violência de gênero, coberturas midiáticas e o imaginário coletivo. A produção conta uma história que mexeu profundamente com o imaginário na época, afinal envolvia uma pessoa exposta cotidianamente na mídia massiva e um crime brutal. Além disso, as narrativas criadas a partir de tal violência eram de inveja e romance, colaborando com a culpabilização pública da vítima.

A série é 'Pacto Brutal', disponivel em HBO Max em cinco episódios, que conta a vida, a carreira e o assassinato da então protagonista da novela, Daniella Perez, com 22 anos, por um também ator e colega de trabalho e sua esposa. 

Daniella foi atriz e bailarina, e também era filha da autora de novelas Glória Perez. No final do ano de 1992, após um dia inteiro de gravações, foi emboscada pelos criminosos no retorno para casa, levada a um matagal e assassinada a facadas. Guilherme de Pádua, um dos assassinos, também era ator e queria que Daniella convencesse a mãe a inflar seu personagem na novela. A não correspondência de Daniella teria motivado o crime. Só que na trama de 'Corpo e Alma', os personagens de Guilherme e Daniella tiveram cenas juntos como casal - e aí está um fator importante em relação ao imaginário sobre o crime.

Talvez você até já conheça a história, então por que assistir 'Pacto Brutal'? O primeiro porquê está no fato da produção mostrar muito bem como a gente, enquanto sociedade, costuma lidar com acontecimentos que envolvem pessoas públicas. Como eventos se tornam massivos e como, em nosso dia a dia, em nosso cultural, acaba desenvolvendo narrativas para preencher lacunas em relação ao que está na mídia ou fora dela. Ela vale para refletir a costumeira confusão que existe entre aquilo que é público ou privado, aquilo que é realista ou que é construído, nas coberturas midiáticas.

O principal fato que guiou as coberturas da época foi a discriminaçao de gênero, que ao associar atriz e personagem, gerava ao leitor a falsa compreensão de um crime de ciúmes ou ainda o errôneo termo "crime passional". 

A série, em produção e linguagem visual excelentes, tem depoimentos da mãe e do marido de Daniella, o ator Raul Gazolla, além de outros amigos da vítima, como Marieta Severo, Fábio Assunção, Cláudia Raia, Alexandre Frota e outros. 

Autor
Marina Mentz é jornalista, doutora e pesquisadora das infâncias brasileiras. Cofundadora da Bisque Laboratório Criativo, tem experiência na área de Comunicação, com passagens por agências e redações de jornal impresso, televisão, rádio e digital. Há 12 anos, pesquisa a presença das violências contra infâncias na mídia. E-mail para contato: [email protected]

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