O canivete suíço

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Eu estava viajando quando soube da morte do Arno Dreher, que os guris da rua apelidaram de Alemão Batata. Eu gostava do Arno; ele morava na parte nobre da Castro Alves e me emprestava os livros de aventuras do Karl May, que faziam a festa nas férias de verão. Mas os Dreher possuíam outras preciosidades que me encantavam, como uma incrível coleção de canivetes suíços.

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Eram dezenas, com tamanhos e cores diferentes - vermelhos, azuis, pretos e cromados. Haviam os antigos, com bandeiras dos países e com desenhos de camuflagem, que eram usados pelos soldados na guerra. Mesmo sem acreditar naquilo, eram joias que incendiavam minha imaginação. Eram mais do que simples canivetes, tinham múltiplas utilidades: chave de fenda, saca-rolhas, lima de unhas, abridor de latas, serrilha, tesoura, régua, além de uma lâmina afiada como navalha.

Eu tinha meus brinquedos, até os proibidos, como um estilingue de forquilha, mas nenhum canivete, muito menos feito na Suíça. Quando estava chegando o mês de novembro, indaguei do pai se eu poderia ganhar um canivete daqueles de presente de aniversário.

Ele achou muita graça naquilo:

"- Mas prá que precisas um canivete caro?
Minha caixa de ferramentas faz de
tudo e muito mais do que um canivete".

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Quando chegou o Dia da Bandeira, ganhei do pai um bem comportado presente e um belo bolo de chocolate da mãe. Mas nem sombra do meu canivete suiço. Eu estava meio esquecido daquilo quando, dois meses depois, aconteceu algo bem estranho, daquelas coisas difíceis de explicar. Estávamos chegando das férias na fazenda, quando vi um MG verde descer a rua. Era o carro do Norberto Dreher, o irmão mais velho do Arno, que gostava de circular pelo bairro com aquele belo conversível, despertando olhares de admiração e a inveja dos moleques da esquina.

Fiquei no portão de casa, de olho grudado no MG, que estacionou a um metro de distância de onde eu estava. Então, um Norberto sorridente falou "alô, como vai", alcançando um pequeno estojo azul. Em seguida, abanou um adeus e o MG disparou ladeira abaixo.

Na hora e ali mesmo, abri o estojo azul e lá estava o que eu já sabia - um canivete vermelho com a bandeira da Suiça. Entrei quieto em casa e fui guardar a joia debaixo do colchão, sem falar nada para ninguém. Mas naquela noite, o sono custou a chegar, com uma pergunta me martelando a cabeça:

" Porque raios o Norberto Dreher, que nem me cumprimentava direito veio em seu MG
até em casa, para me presentear com
um canivete de sua preciosa coleção?

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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