O Correio ressuscitado (II)
Por José Vieira da Cunha
O "novo" Correio do Povo pecava pela origem, repetindo o mesmo modelo que naufragara dois anos antes. Inclusive na forma, com seu tamanho standard, em um ambiente onde os leitores estavam habituados a ler jornais no formato tabloide. Aí aflorou o faro de Renato Ribeiro para negócios, e certo dia convocou a seu escritório, em um prédio no centro de Porto Alegre, a poucas quadras da redação do jornal, o diretor editor Luiz Figueredo e o editor gráfico, Luiz Adolfo Lino de Souza. E colocou na mesa, sem rodeios, como de hábito, a ideia impactante: deveriam se dedicar imediatamente a dar uma nova cara para o Correio do Povo, cumprindo algumas premissas básicas, como a de assumir o formato tabloide e ter apenas 16 páginas diárias, com quatro delas dedicadas à publicidade.
A sugestão estourou como uma bomba atômica em nossas cabeças de jornalistas de redação. Reduzir o jornalão, que apresentava em média 40 páginas em dias de semana, para aquele novo formato significaria oferecer menos de um quarto do material editorial que continha até então, sem contar que pareceria um pasquim, com suas ridículas 16 páginas. Cada vez que o comercial vendesse o equivalente a quatro páginas, sobrava apenas uma dúzia para notícias e reportagens.
O raciocínio de Renato parecia simplório, carente que era de qualquer pesquisa profissional. Incomodado com o baixo volume de vendas, durante uma semana dedicara suas manhãs a rodar pelo centro da cidade, observando o movimento de leitores nas bancas de jornal, que proliferavam na época. Verificou que Zero Hora vendia muito bem, mais de cinco exemplares para um do Correio. Ficou matutando em cima daquela evidência decepcionante, maquinou números e chegou à conclusão de que se o tabloide tivesse apenas 16 páginas, sendo quatro delas reservadas para a área publicitária, o resultado seria um lucro compensador. Em seus cálculos, sustentava que o custo do tabloide era quatro vezes menor do que no formato standard. O raciocínio embutia certamente um pouco de exagero, mas não estava muito longe da realidade não.
Luiz Adolfo contou outro dia que ele e Figueredo ouviram de Renato Ribeiro a frase dramática: "Isso aqui é um transatlântico e nós vamos afundar. E eu estou oferecendo pra vocês um bote salva-vidas". Então, dois Josés, o Barrionuevo, editor de Política, e eu, secretário de Redação, nos integramos aos dois Luízes para formatar o novo Correio. Nenhum argumento daquele quarteto de profissionais demoveu Renato da ideia, e não restou outra alternativa a não ser se debruçar no estudo de um resultado final que fosse minimamente aceitável pelo leitor. E assim foi feito.
O lance do empresário envolvia ainda outra estratégia inovadora e também surpreendente: o jornal seria distribuído de graça para quem quisesse, desde que os interessados preenchessem um cupom publicado na primeira página. Lançado em maio de 1987 com a nova cara, o resultado foi espetacular, e em poucas semanas o Correio estava com pouco mais de 200 mil assinantes. Cinco meses mais tarde, foram todos brindados com outra surpresa, quando receberam a notícia de que assinatura deixaria de ser gratuita. Era outra decisão cujo resultado reforçava a intuição de Renato Ribeiro: o valor da assinatura seria quase irrisório se comparado ao que se praticava anteriormente, ou ao que era cobrado pela concorrência.
A forma de pagamento também era original, através de carnês entregues nas residências, e o resultado é que o jornal não só não perdeu leitores, como chegou a atingir o pico de 240 mil assinantes. Para superar os desafios logísticos com a distribuição de tanto papel, a empresa inovou em 1995, criando outros dois parques gráficos. E assim, além de Porto Alegre, o jornal passou a ser impresso simultaneamente em Carazinho e em São Sepé.
Então o jornal já circulava com edições de 20 ou 24 páginas, graças ao sucesso comercial que se seguiu puxado pelo alto volume de assinaturas. Mais páginas editoriais amenizavam um pouco as dores de cabeça que o diretor Comercial Paulo Sérgio Pinto enfrentava quase diariamente. Lembro de um dia em que a quota de anúncios diários já estava esgotada quando chegou o pedido de uma inserção de um anúncio de página inteira da rede de supermercados Zaffari. Paulo Sérgio tentou convencer Renato a abrir uma exceção naquele dia, mas o empresário foi inflexível. Não se abalava com o fato de que o anúncio ficasse para o dia seguinte. "Mas Dr. Renato, são ofertas de supermercado. Se o anúncio não sair hoje, perderá a validade", tentou argumentar o executivo. Paciência, foi a resposta monossilábica e definitiva.
(Continua)