O menino que lia Érico

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Tenho lembranças que começaram quando eu espiava por cima do ombro da mãe, enquanto ela folheava a revista argentina Para Ti, à procura de receitas de empanadas e de notícias sobre cantantes de tango. Sua favorita era Libertad Lamarque e também Hugo del Carril, que ouvíamos no Telefunken 12 válvulas, sintonizado na Rádio Belgrano. Mas, talvez, impaciente com aquele guri sempre encarapitado em seu ombro, deu um jeito de providenciar minhas próprias leituras.

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Aquele foi um feliz natal de verdade, quando abri meu presente embrulhado em papel colorido - eram dois álbuns ilustrados: as  "Aventuras do Avião Vermelho" e "O Urso com Música na Barriga". Lembro quando o pai apontou na capa o nome do autor daquelas estórias encantadas. Um nome que ficou em minha memória afetiva - Érico Veríssimo.

Eu despertava para o mundo maravilhoso dos sonhos e fantasias. Pouco tempo depois, descobri nas historietas da revista O Tico-Tico meus primeiros heróis - a trinca Bolão, Reco-Reco e Azeitona. Eu mal conseguia esperar a hora de fechar os cadernos com as lições do dia para voltar àquelas divertidas e tolas trapalhadas. Então, a cada ano que passava, maior era minha fome de leituras - e chegou a vez das aventuras em quadrinhos do Gibi Mensal e do Globo Juvenil. E os ingênuos personagens do O Tico-Tico cederam lugar aos paladinos da justiça - o Capitão Marvel, o Mandrake, o Tocha Humana e Centelha, o Homem Borracha, sem esquecer meu favorito, Fantasma, "O Espírito Que Anda" .

Em mais de uma vez, fui repreendido por meus pais por passar horas com o nariz mergulhado nas aventuras de Tarzan, o Rei das Selvas e de Arsene Lupin, Ladrão de Casaca. Mas ao final daquele ano, fui absolvido, quando cheguei em casa com nota dez em redação e leitura, incluindo um "Muito Bom" rabiscado no boletim pelo Irmão Lourenço, professor de Português.

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O tempo passou rápido. Como estudante de jornalismo, estou com a turma da faculdade visitando a Livraria do Globo para conhecer os redatores da Revista do Globo. Como um dos "entrevistadores" indicados pelo professor, escolho um senhor grisalho, que parecia feliz entre jovens leitores. Gaguejei uma ou duas perguntas, lamentando não ter comigo meu precioso Avião Vermelho para ganhar um autógrafo de Érico Veríssimo.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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