O padre e a prensa

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Ao ler um livro, não se deve perguntar 

o que ele diz, mas o que ele significa." 

In 'O Nome da Rosa'.

O livro é um tema recorrente na obra do semiólogo Umberto Eco, que afirmava que o livro é a melhor imitação possível - pela limitação humana - da mente do Divino. Pois o livro nos permite, ao mesmo tempo, contemplar e compreender o Universo. E ele usa um exemplo: uma cena do clássico Notre Dame de Paris, de Victor Hugo. O romance se passa no século 15, imediatamente após a invenção da prensa por Johannes Gutenberg. Um padre chamado Claude Frollo segura um livro recém-impresso, olha  com tristeza para sua catedral e diz: 

"Ceci tuera cela" ("Isto vai matar aquilo".)

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Antes de Gutenberg inventar a prensa e mudar o curso da História, os textos manuscritos eram reservados apenas a reis, papas, nobres e ao alto clero. Para ensinar as Escrituras era necessário recorrer às imagens e aos vitrais das catedrais. Os belos vidros multicoloridos, penosamente montados em chumbo por artesãos medievais, funcionavam como uma tela da TV, ilustrando os Dez Mandamentos e as parábolas de Jesus Cristo. 

O medo do padre Frollo de que os livros ocupassem o lugar das catedrais não se concretizou, mas a Igreja permaneceu inquieta e vigilante. Como romancista, Umberto Eco voltou ao tema em 'O Nome da Rosa', revelando como a Igreja se sentia ameaçada pelo texto impresso, que seria convite para a livre interpretação dos textos sagrados.

Nos anos 1960, 'A Galáxia de Gutemberg', de Marshall McLuhan, já anunciava que o pensamento linear, estimulado pela invenção da imprensa, estava destinado a ser substituído por novas formas de percepção, como a televisão e os gadgets digitais. Na época, profetas apressados apontaram o dedo para a TV e segurando um livro, sentenciaram: 

"Aquilo vai matar isso."

Se estivesse vivo, McLuhan escreveria que Johannes Gutenberg mais do que inventor, foi profeta. O computador moderno, além de ser um meio capaz de gerar textos e imagens, é também (e basicamente) um instrumento alfabético. Pois, para produzir palavras e textos é preciso aprender a ler e escrever. Quando a Internet ainda não era global, Marshall McLuhan alertava para os efeitos da tecnologia na ciência da comunicação. Previa que os novos meios modificariam o comportamento das pessoas e a sua relação com o tempo e espaço. E resumiu em uma frase o que na época, poucos entenderam:

"Nós moldamos nossas ferramentas e

depois, as ferramentas nos moldam."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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