O profissional da adrenalina

Por Flávio Dutra

Em 8 de dezembro comemorou-se mais um Dia do Cronista Esportivo, instituído inicialmente na cidade de São Paulo em 1980 por iniciativa do vereador Mário Américo, ex-massagista da Seleção Brasileira, para marcar a data de fundação da Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo. Relembro a data porque participei por mais de 25 anos da imprensa esportiva. Comecei na Zero Hora, passei pela extinta Folha da Tarde, trabalhei na Rádio e TV Difusora (hoje Band), nas rádios Guaíba e Gaúcha, duas vezes em cada veículo, e encerrei esse ciclo na RBS TV/TVCom. 

Fui repórter e editor de jornal, editor e coordenador de rádio e TV, mas não me aventurava no microfone nem no vídeo. Achava que não tinha perfil para isso, o que foi uma bobagem porque até a desenvoltura diante do público a gente aprende. Mas preferi me especializar nas ações da retaguarda da operação que envolve a cobertura esportiva, no dia a dia e nos grandes eventos. Hoje venci essa barreira e volta e meia sou visto ou ouvido participando como convidado de programas esportivos, palpitando e defendendo teses. Muito me orgulho também de ter atuado, por um bom período, na diretoria da Associação dos Cronistas Esportivos Gaúchos (Aceg), da qual só não fui presidente. Hoje, faço parte do Conselho Deliberativo da entidade, que festejou o Dia do Cronista numa bela festa na última sexta-feira.

Aprendi muito quando fui do ramo, até porque tive mestres inspiradores. Gente como o saudoso Armindo Ranzolin, um gigante ao qual presto meu reconhecimento e que, por feliz coincidência, faz aniversário no 8 de dezembro; ao Ari dos Santos, que também já nos deixou e que, na atividade profissional, parecia ter a fórmula das polêmicas nos programas de debates; e,  nos jornais, meu guru Nilson Souza, um grande editor e cronista de texto irretocável, e outro saudoso, o Emanuel Mattos, a quem devo minha reciclagem para a mídia impressa nos anos 1980. Claro que aprendi muito com outros companheiros e para mim o aprendizado é permanente, mas faço questão de destacar os quatro profissionais porque realmente representaram muito na minha carreira.

Vale esclarecer que outros registros também creditam a data que celebra a Crônica Esportiva a Aulus Lépidis, que seria o primeiro cronista do métier, ao descrever, num  8 de dezembro,  um duelo entre escravos e leões, no jornal Acta Diurna, de Roma. Aulus  acabou ele mesmo devorado por animais famintos, jogado às feras por Marcelus Brunos, o domador dos leões, cuja esposa teria um caso amoroso com o primeiro mártir do jornalismo esportivo, que coisa, hein!

Fico pensando em como essa história seria contada pela imprensa esportiva da época e tenho certeza de que seria uma cobertura ágil, detalhada, emocional e opiniática, com muita adrenalina, portanto, porque esses atributos - positivos ou negativos - fazem a essência da atividade. A verdade é que a crônica esportiva já nasceu sob o signo da controvérsia e isso é inevitável em se tratando de uma editoria que envolve competições e rivalidades - vide o nosso Grenal.

Acredito, porém, que a data poderia se prestar para uma reflexão sobre a atualidade da cobertura esportiva e o que lhe reserva o futuro. Diferente do tempo em que estive na ativa, quando o acesso às fontes - jogadores, técnicos e dirigentes - era irrestrito e intenso, hoje as entrevistas se limitam às coletivas e direcionadas pelo interesse do clube e não da mídia.  Foi-se o tempo das facilidades. No mundo inteiro é assim. Com  acesso limitado às fontes, o primado agora é da opinião, sobressaindo-se os comentaristas, em uma profusão de programas de debates, enquanto a reportagem é tentada, às vezes, a aderir ao comentário pela falta de informações. As análises estão mais focadas no comportamento das equipes - a entrega, a pulsação em campo, a energia ou apatia, enfim, virtudes morais - e menos nas questões técnicas, táticas e estratégicas. Isso sem falar nas brincadeiras de 5ª série e tentativas de humor de gosto duvidoso. Como se diz no meio, não é corneta, mas mera observação de quem já esteve no pedaço e agora é um atento ouvinte, leitor e telespectador.

Evidente que preferiria a situação anterior, de acesso livre às fontes e de matérias tratadas como jornalismo e não como entretenimento. Apesar de tudo, não conheço cronista esportivo que não seja apaixonado por seu trabalho e aos que ficaram e aos que virão meu reconhecimento e um abraço parceiro. Que não falte adrenalina  para vocês! 

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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