O que é uma holding familiar?

Por Paula Beckenkamp

Muito comum na Europa e nos Estados Unidos, a holding familiar é um mecanismo jurídico plenamente válido e que gera excelentes resultados.

Sua relevância e urgência acabaram sendo percebidas pelos brasileiros, o que vem gerando mais curiosidade e necessidade de conhecimento acessível.

A relevância está diretamente relacionada à redução drástica de custos com tributos para quem possui imóveis registrados na sua pessoa física, aliada à opção por um planejamento sucessório.

A urgência, por sua vez, decorre da iminência do aumento no ITCMD, o imposto de transmissão causa mortis (e doação), aquele que se paga em um inventário, quando alguém falece. Atualmente, ele é de 6%. No entanto, já está previsto o aumento para 20%, pedido que já foi protocolado pelo ministro da Fazenda, no Conselho Nacional de Política Fazendária, e deve entrar em vigor logo logo.

Mas o que é uma holding familiar e o que ela tem a ver com ITCMD?

Holding familiar é a alternativa legal ao inventário e ao testamento (que acabará em um inventário).

É a possibilidade de planejarmos como ocorrerá a sucessão antes da morte, sem deixar para os herdeiros os pesados encargos de um inventário (tanto os pecuniários quanto os emocionais).

Além disso, é a possibilidade de, ainda em vida, seguir usufruindo do patrimônio pagando uma infinidade de tributos a menos, com custos muito menores, deixando para os filhos o patrimônio real e não uma parte dele, como ocorre no inventário. É a "blindagem" do patrimônio contra "credores" oportunistas e irresponsáveis.

Explicando de forma simples, funciona da seguinte forma:

Quando uma pessoa falece, a lei determina que seja aberto um inventário, procedimento que viabilizará, ao final dele, que a sucessão tome posse dos bens do falecido. O inventário é conhecido por ser o momento mais doloroso para a família, após a morte do ente querido. O desgaste emocional é inevitável e, não raramente, é permeado por brigas e disputas que levam décadas para serem solucionadas. Enquanto isso, o patrimônio está parado, sem que os herdeiros possam usufruir.

Com a abertura do inventário, todos os bens do falecido serão levados ao processo e é necessário que se aponte o valor de mercado de todo patrimônio. É sobre esse valor (avaliação de mercado), que irá incidir todo e qualquer cálculo, como o do ITCMD (imposto de transmissão causa mortis). Há, também, as custas processuais, os honorários advocatícios, o ITBI (imposto de transmissão dos imóveis) e inúmeros outros tributos que são recolhidos sempre tomando como base o valor de mercado do patrimônio.

Como funciona, na prática:

A título de exemplo, digamos que a pessoa falecida possuía um patrimônio avaliado em mercado no montante de R$ 1 milhão de reais. Sobre essa avaliação, incidirão todos os cálculos do inventário. 

Com o ITCMD em 6%, a sucessão já perderia R$ 60.000,00. Considerando que esse imposto subirá, em um futuro próximo, para 20%, a perda passa para R$ 200.000,00. Soma-se a isso os honorários advocatícios (no mínimo 6% sobre o valor de avaliação do patrimônio), as custas processuais, o ITBI (imposto de transmissão), as taxas de registro de imóveis etc. Nesse exemplo, os custos do inventário ultrapassariam, com folga, R$ 370.000,00. 

Mas, os gastos podem ser maiores. É que, frequentemente, a sucessão não possui condições financeiras para arcar com esse custo elevadíssimo, especialmente quando a herança se resume a bens imóveis e não a dinheiro. 

Quando isso acontece, os herdeiros se veem obrigados a colocar um bem à venda. Como todos sabem, há investidores que compram bens que estão em inventário; no entanto, o pagamento é sempre com deságio de, no mínimo, 20%. Lá se vai mais um pedaço do patrimônio! 

No caso de venda de um bem imóvel inventariado, a perda não vai se limitar ao deságio, pois certamente haverá ganho de capital (a diferença entre o valor de aquisição do bem e o valor de mercado/venda); e, sobre essa diferença, deverá ser recolhido Imposto de Renda de 15%.

No nosso exemplo, suponhamos que os herdeiros resolveram vender uma casa, avaliada em R$ 500.000,00. Com o deságio de 20%, ela será vendida por R$ 400.000,00 (perda patrimonial de R$ 100.000,00). Se ela foi adquirida por R$ 200.000,00, o ganho de capital é de R$ 200.000,00, o que leva ao recolhimento de Imposto de Renda sobre o ganho de capital, no montante de 15% - uma mordida do leão de R$ 30.000,00.

Vamos somar tudo?

R$ 370.000,00 de custos do inventário.

R$ 100.000,00 de perda patrimonial

R$ 30.000,00 de IR sobre o ganho de capital.

TOTAL - R$ 500.000,00.

A perda patrimonial foi de R$ 500.000,00, o que corresponde a 50% do patrimônio inventariado.

O que isso significa? Que a herança deixada não é de 1 milhão, mas de R$ 500.000,00. Seus pais vão deixar metade para você e a outra metade para os governos.

É aqui que te conto que existe saída jurídica para isso - a holding familiar.

A holding familiar é um trabalho jurídico complexo, que envolve conhecimento nas áreas de Direito de Família, Direito Societário, Direito Contratual e Direito Tributário.

Basicamente, é aberta uma empresa com um CNAE que possibilita que ela tenha, sob o seu "guarda-chuva", outras empresas - cada uma com uma finalidade direcionada e específica.

Após a abertura desse primeiro CNPJ, constitui-se o próximo CNPJ, que é chamado de "cofre". Para o cofre, serão levados todos os bens imóveis que estão em nome do proprietário. Esses bens passam a ser cotas de uma empresa.

Custos com base no valor de aquisição dos bens.

Na holding, todos os custos são calculados com base no valor de aquisição dos bens, aquele valor declarado no Imposto de Renda (enquanto, no inventário, é sobre o valor de mercado).

Quando é feita a transferência dos bens da pessoa física para a jurídica, não se paga o ITBI (aquele imposto que se paga em uma compra e venda comum, que permite a troca de proprietário na matrícula, perante o Registro de Imóveis). Essa é a regra.

A economia gerada com a não incidência desse imposto é de grande monta, pois, no inventário, ele varia entre 2 e 4% sobre o valor de mercado dos bens.

O ITCMD, que vai passar de 6% para 20% sobre o valor de mercado dos bens, no inventário, deixa de ser o imposto sobre a morte (ou sobre a herança, como alguns chamam) e passa a ser imposto sobre a doação (3 ou 4%).

Doação porque o proprietário vai doar as cotas da holding aos seus filhos e permanecer com o usufruto vitalício dos bens e patrimônio. Ele poderá vender, comprar, tudo como antes. No entanto, fará como pessoa jurídica e os tributos serão todos menores. 

Todos esses movimentos são meticulosamente calculados e colocados em contratos e acordos. Esse é o planejamento sucessório. Nada é feito sem que seja retratada a vontade real das partes. 

Podem ser incluídas cláusulas das mais variadas, muito além do usufruto vitalício, como de incomunicabilidade (para que o patrimônio não possa ser dividido com os cônjuges dos filhos), de reversão (para que se possa mudar algo), de inalienabilidade (para aqueles casos de empresas que são passadas de geração em geração e a ideia é a sua perpetuação) e muitas outras que busquem a proteção do patrimônio e o fiel retrato da vontade do proprietário. 

E se a família desistir? Basta desfazer - mas eu garanto: ninguém desiste quando a holding é bem feita.

Vamos ao exemplo prático.

Aquela mesma família com patrimônio avaliado em R$ 1 milhão de reais. Já vimos que, com o inventário, a perda patrimonial dos herdeiros chega a 50%.

Para a constituição da holding, leva-se em conta os valores de aquisição.

Então: a casa avaliada em R$ 500.000,00 vai ser considerada pelo seu valor de aquisição, ou seja: R$ 200.000,00.

O restante do patrimônio (mais R$ 500.000,00), digamos que tenha sido adquirido por R$ 250.000,00. 

Chegamos à avaliação de R$ 1 milhão de reais e ao valor de aquisição total de R$ 450.000,00.

Isento o ITBI, devemos calcular o ITCMD - que, na holding, é doação e não causa mortis. Temos 4% sobre R$ 450.000,00 = R$ 18.000,00.

O outro custo com a holding é a Junta Comercial, na abertura dos CNPJs (R$ 10.000,00).

Por fim, tem-se os honorários advocatícios (que incluem contabilidade e assessoria jurídica por 3 anos), que são calculados conforme cada profissional (vou considerar um valor hipotético de R$ 35.000,00). 

No exemplo trabalhado, comparando-se os custos, tem-se:

Custo do inventário: R$ 500.000,00.

Custo da holding: R$ 55.000,00.

Além de o custo da holding representar 11% do custo de um inventário (economia de 89%), os herdeiros ficarão com 100% do patrimônio e não com metade (como no inventário).

Custo mensal da holding

O custo que uma holding seguirá tendo é com contabilidade, nada fora do comum ou usual para o controle de empresa.

O exemplo fala por si só.

Temos um tema interessante e riquíssimo para ser explorado na coluna, concordam?

Autor
Advogada, sócia do escritório Beckenkamp Soluções Jurídicas, tem mais de 22 anos de experiência profissional e passagem pelo Poder Judiciário e Ministério Público Estaduais. É Data Protection Officer - DPO, especialista em Direito Digital e Proteção de Dados (GDPR LGPD), com certificação internacional pela EXIN. É professora e palestrante. Membro da Comissão Especial de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RS, do Comitê Jurídico da ANPPD, do Núcleo de Privacidade e Proteção de Dados da Associação Comercial de Porto Alegre e do INPPD. É uma das Speakers do seleto grupo de profissionais da AAA Inovação. Cofundadora da empresa DPO4business, também é especialista em Contratos e Registro de Marcas, atuando no ramo empresarial com consultoria e assessoria. É especialista em Holding Familiar e Rural, atuando na inteligência tributária e proteção patrimonial. E-mail para contato: [email protected]

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