O vento não leva

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Palavras têm a leveza do vento 

e a força da tempestade."

 

Victor Hugo.

 

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Em nosso dia-a-dia, usamos a mais poderosa ferramenta da comunicação humana - a palavra escrita. E raramente temos consciência de seu imensurável poder. Palavras são capazes de amaldiçoar ou abençoar, causar felicidades ou infelicidades, acordar alegrias ou provocar conflitos e guerras. Como resumia um antigo provérbio:

"A pena é mais poderosa do que a espada."

Desde tempos remotos, profetas e pensadores já nos advertiam a ter cautela com o que escrevemos, pois palavras lançadas ao vento ou deitadas no papel não podem mais ser recolhidas.

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Grandes escritores conheciam o poder da palavra e a usaram para despertar paixões, inflamar idéias ou alimentar sonhos. E ajudaram a construir ou moldar linguagens e idiomas. Um destes aventureiros de palavras foi William Shakespeare, que além de produzir peças únicas na dramaturgia universal, forjou divertidos bordões. Algumas de suas sentenças, depois de 400 anos, permanecem vivas na linguagem nossa de cada dia. As quais usamos e abusamos, sem dar crédito aos seus criadores. 

Como quando um sagaz Iago adverte o Mouro no drama 'Otelo': "Cuidado, muito cuidado com o ciúme! É um monstro de olhos verdes, que zomba da carne e dela se alimenta." E o dito ficou:

"Cuidado com o monstro de olhos verdes".

Em 'Henry V', um dos personagens é assim descrito: "Possui um coração de ouro, é um rapaz da vida, um diabrete da fama, de pais bons e de punhos valentes". Resumindo, 

"Fulano tem um coração de ouro."

No drama 'A Tempestade', o personagem Miranda afirma valer tudo no amor e no poder, desde que se jogue limpo. Nascia uma nova regra:

"Jogo Limpo/Fair Play"

Também podemos lembrar uma cena de 'A Megera Domada', onde o Bardo sugere cuidados ao dialogar com velhos ou jovens:  

"É preciso quebrar o gelo."

Quando não temos certeza do que está acontecendo, repetimos a reflexão de Casca em 'Júlio César': "Era grego para mim, mas os que entenderam, sorriram e balançaram a cabeça".

"Isto é grego para mim."

Em 'A Megera Domada' há uma definição de quanto tempo deve durar o amor verdadeiro. Repetida em 'As You Like It', afirmando por quanto tempo Orlando vai amar Rosalinda:

"Para sempre e um dia."

Há frases que resistem e permanecem, como a que aparece em 'O Mercador de Veneza', quando Jessica declara: "O amor é  cego e os amantes não conseguem ver as belas loucuras que cometem". E a sabedoria popular repete:

" O Amor é cego."

Em suas peças clássicas, Shakespeare até inventa palavras que eram desconhecidas no século 16. Como "riddance" usada para descrever de como se livrar de algo indesejável. Mal traduzindo, "faça uma boa viagem" como Portia em 'O Mercador de Veneza', referindo-se a eliminar alegremente algo de sua vida:

" Tenha uma boa viagem."

Escritores e músicos modernos também encontram inspiração em Shakespeare. Na comédia 'A Megera Domada', Petruchio falava de como conquistar a espinhosa Katherine, usando bom humor e bondade ou:

" Matar com Bondade."

Em Shakespeare encontramos frases de efeito que têm sido repetidas nos últimos 400 anos. No drama histórico 'Henry V' expressões lapidares foram apropriadas por escritores como Arthur Conan Doyle. Por mais de uma vez, o criador de Sherlock Holmes, usa uma fala do rei: 

"Segue o jogo."

Uma das mais marcantes e clássicas sentenças de 'Macbeth' tem por hábito aparecer em dramas policiais ou filmes de guerra:

" Os covardes morrem mil vezes, os valentes, uma única vez."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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