Os apetites do comissário
Por José Antônio Moraes de Oliveira


"Não existe amor mais sincero
do que o amor pela comida."
George Bernard Shaw.
Ele foi o criador de uma das mais célebres - e verossímeis - figuras da literatura policial moderna. Depois de escrever as 75 novelas e 28 contos protagonizados pelo comissário Jules Maigret, o belga Georges Simenon confessou que costumava projetar no personagem suas manias, apetites, desejos e até mesmo suas predileções à mesa. E admitia:
"As memórias que mais me gratificam são as que guardo no paladar."
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E mesmo sendo assíduo da Bonne Table, Simenon conduz o Comissário Maigret por tradicionais bistrôs e cafés dos dois lados do Rio Senna, quase sempre privilegiando a tradicional cozinha camponesa. E os pratos que ele coloca à frente de Jules Maigret - não por acaso ou por acidente - são seus pratos preferidos.
Em uma das peregrinações do comissário pelas vielas e becos de Paris, ele faz escala no Au Vieux Pressoir no Boulevard de Grenelle. O bistrô deve ter sido um dos favoritos de Simenon, pois o herói voltaria ali na novela 'Cécile est morte'. Ele está sozinho e pensativo, pede um Vieil Armagnac e se demora em uma mesa com janela para a rua. Em outra novela, 'Le Voleur de Maigret', mostra animação e prazer enquanto saboreia uma Chaudrée Fourasienne, a sopa de peixes da região de Charente e iguaria difícil de encontrar nos cardápios parisienses.
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Existe um delicioso livrinho do jornalista Michel Lemoine, que tem como título 'Paris chez Simenon'. Ali encontramos uma lista dos endereços frequentados pelo autor e seu personagem. São cerca de 300 bistrôs, restaurantes, bares, brasseries e cafés de esplanada. O livro conta com um mapa marcando os lugares em Pigalle, na Place Clichy, Rue Fontaine, Montmartre e no 9º Arrondissement. Georges Simenon se declarava um apreciador de frutos do mar preparados à moda da Normandia. Ele transfere as preferências ao comissário-gourmet no conto 'Maigret s'amuse', o fazendo rodar pela cidade em busca de um restaurante especializado em pescados à normanda. Não encontra, mas descobre um pequeno bistrô às margens do Sena, onde almoça uma simples fritada de sardinhas, acompanhada de um Rosé de Beaujolais. As sardinhas o fazem sentir saudoso de sua infância no campo. Uma escapada que Simenon descreve como se fosse sua:
"Ele precisava sair, respirar o ar do tempo, encontrar pessoas diferentes nas ruas de Paris. E voltar ao campo, gastar o tempo em um balcão de zinco, bebendo um Demi ou um Calvados, dependendo do estado de alma."
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