Os Florianos

Por José Antonio Vieira da Cunha

Quando começou a circular, em novembro de 1969, a redação da Folha da Manhã tinha uma equipe de jovens veteranos que formava o núcleo com experiência suficiente para assegurar um bom jornalismo e dar sustentação e juízo aos jovens repórteres e redatores que agitavam o ambiente. Mais de cinco décadas depois, é inevitável que eles não estejam mais entre nós, mas para aqueles jovens que preenchiam a redação ficaram seus ensinamentos e exemplos dignificantes. Florianão e Florianinho despontavam entre estes professores da vida. Cada um à sua maneira, habilidade e delicadeza, tocavam suas tarefas e davam lições diárias aos que ainda tinham muito a aprender. 

Floriano Corrêa era o Florianão, chefe de reportagem, cargo que também exercia na Rádio Guaíba, um colosso de radiojornalismo naqueles tempos. Por isso, fazia em sua sala na emissora as reuniões diárias de pauta, mesmo que atrapalhassem um pouco a rotina dos redatores, como o Idalino. Até porque Florianão era um verdadeiro paizão, a tolerar todas as brincadeiras e saber contornar as rebeldias daqueles guris da reportagem, como Clóvis Ott, Waldomiro de Oliveira, Carlos Karnas, Carlos Urbim e este redator de memórias entre eles. Carlos Monteiro, o Monteirinho, era o veterano, responsável pela cobertura dos atos do governo municipal. 

Um parêntese. Monteirinho era zeloso de seu trabalho e orgulhava-se de dar a melhor cobertura sobre os acontecimentos da cidade. Esmerava-se em sair atrás das informações pelos diferentes setores da Prefeitura de Porto Alegre e nunca faltava à reunião diária de fim de tarde que o prefeito concedia - tempos e práticas que não voltam mais... Mas houve um dia em que foi 'furado' por uma notícia envolvendo o DMAE. Furioso, foi cobrar da assessoria de imprensa a omissão da informação, e ficou perplexo ao ouvir a resposta: a notícia estava no release distribuído no dia anterior, que ele, como geralmente fazia, nem lia, tal a sua segurança no domínio do que se passava no Paço Municipal. 

O onipresente Florianão despachava os repórteres e um ou dois fotógrafos na única kombi à disposição da Folhinha, e só os veria novamente no dia seguinte. Deixava a sala da Guaíba apenas para algum lanche, o que dava a certeza de que a qualquer dificuldade lá estaria ele, disposto a ouvir e a ajudar. Inclusive emprestar algum, se o pupilo estivesse encrencado com as finanças pessoais, o que não era raro.

Ao retornar com suas pautas cumpridas, a conversa dos repórteres era com outro Floriano, o Florianinho Soares, secretário de Redação. Zelava pela presteza das informações e pela correção dos textos, e em cima deles criava os títulos, atraentes sempre. Muitas vezes salvavam notícias medíocres. Faleceu semana passada, dia 14, e mereceu de Núbia Silveira, que ao lado de Laila Pinheiro respondia pela seção de Cultura e Variedades, uma carinhosa despedida em seu Facebook, lembrando que era um boêmio que gostava da noite, de cantar, dançar e tomar seus chopes. "Seus olhos brilhavam nas conversas com os amigos", escreveu Núbia. "Sempre demonstrou ser calmo. Daqueles que não fogem da briga. Caminhava com o corpo empinado, levemente jogado para trás. Não admitia expressões racistas nem desrespeito. Tinha orgulho da sua raça e da sua profissão."

Não há como discordar, muito pelo contrário. Comecei como foca naquela redação, ainda estudante de Comunicação, e tive no Florianinho um porto seguro para minhas dúvidas e inquietações. Sempre paciente, sempre atencioso, sempre discreto, chamá-lo de Florianinho já era uma demonstração permanente de carinho e admiração por este grande ser humano. Aos 89 anos, foi em paz, relataram seus familiares. Amém.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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