Os jornais desafiados

Por José Vieira da Cunha

No início deste século, quando dava aulas sobre Comunicação, lembro de ter debatido sobre uma pesquisa apresentando as novidades que o novo mundo da web trazia para a comunicação e para as relações pessoais. Era tudo uma grande novidade mesmo, e a tal pesquisa, que fora liderada pela Microsoft, elencava especialmente o que se passava pela cabeça dos jovens e suas expectativas em relação ao mercado de comunicação no futuro. Havia dados surpreendentes na consulta que fora realizada junto a jovens de até 24 anos, de vários países, o Brasil entre eles. Algumas destas surpresas para a época: os jovens nunca teriam um telefone fixo ou um relógio, acreditavam demais em fontes desconhecidas, mais do que nos especialistas, tinham mínimo interesse pela fonte da informação e praticamente deixariam de ler jornais.

Um dos módulos que ministrei se debruçava sobre as tendências da comunicação, e nele analisava o estágio do jornal e seu futuro - que, por todas as circunstâncias, ali em 2005 já se mostrava incerto. E eu ousava datar, para surpresa e inconformismo de boa tarde dos alunos, quase todos eles jornalistas: não sobreviveria a 2030, pelo menos não na forma como o conhecíamos e amávamos então.

As dificuldades com logística para distribuição do jornal, sua forma de produção com utilização massiva de insumos cada vez mais caros como papel e tinta, ambos inflados pelo dólar, aliados ao fato de as novas gerações desprezarem a leitura neste meio de comunicação, optando por outras que pareciam mais prazerosas, contribuíam para acelerar este fim.

Os fatos, agora na segunda metade do século, demonstram que a pesquisa foi assertiva em praticamente todas as conclusões, assim como explicitam que a especulação sobre o futuro do meio impresso não eram infundadas. Os jornais, em especial, estão no centro da tormenta e convivem, a cada dia, com um novo sintoma de decadência frente a outras mídias - uma decadência acentuada exatamente pelos hábitos dos jovens, que optam pelos meios digitais para conversar e, da mesma forma, se informar.

Nesta lenta e irremediável trajetória, é normal que se discuta hoje quando tempo de vida têm os jornais. Apostas não faltam, mas também não há dúvidas; seu fim é irremediável. O xis da questão é ter de conviver com uma concorrência implacável e que o derrota a cada minuto do dia: a rapidez com que as informações transitam pela internet torna obsoleto o jornal do dia seguinte, antes mesmo do raiar do sol.

O grupo de conversas virtuais do qual participo, o Nova Coonline, tem promovido debates produtivos com personagens da comunicação. O último encontro foi com Nelson Sirotsky, o Publisher do Grupo RBS. Apesar da omissão surpreendente e lamentável deste portal, que ignorou as novidades e revelações ali contidas, a fala do empresário repercutiu bastante (e pode ser conferida aqui). Desceu a detalhes sobre os projetos e realizações da empresa, e um ponto que não ficou de lado foi a luta da Zero Hora para se manter relevante e ampliar sua carteira de leitores, que na verdade minguam.

O papel como meio de informação perdeu relevância e diariamente vê reduzido seu público. Vai seguir resistindo enquanto tiver clientes, disse alguém que Nelson ecoou, e por isso hoje o objetivo da empresa é fazer crescer o número de clientes do impresso a ponto de assegurar sua sustentabilidade. O objetivo inclui uma nobre determinação: fazer um jornalismo de qualidade, oferecendo uma informação verdadeira, e com isso atrair os anunciantes que querem estar atrelados a este tipo de conceito.

O jornal está na verdade mudando seu papel na mídia. Deixou de ser um veículo de massa, com tiragens superiores a um milhão de exemplares, como foi o caso da Folha de S.Paulo nas últimas décadas do século 20, para ser consumido por um público segmentado. Especula-se agora que um rumo a ser perseguido pelo meio jornal é avançar na apresentação de matérias mais complexas, como uma evolução da notícia propriamente dita, que circula aos magotes na internet.

A solução para o modelo tradicional é uma equação difícil. Entre tantas mazelas, o impresso vê suas fontes de receita migrarem irremediavelmente para o digital. Daí se acreditar que este meio de comunicação ainda pode sobreviver graças à aura de credibilidade que o papel ainda sustenta.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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