Pondé, Harari e uma piada escatológica
Por Flávio Dutra
Os futurólogos das redes sociais já fazem previsões sobre o futuro da humanidade pós-pandemia. As análises variam da chegada dos Quatro Cavalheiros do Apocalipse, anunciando o fim dos tempos, a um novo Éden na Terra, claro que sem Adão e Eva com a folha de parreira cobrindo as partes, porém, com todos nós convivendo sem egoísmo e cheios de generosidade e amor pra dar.
O lado cristão que habita em mim jura que eu gostaria que vingasse a segunda opção, com muitas doses de empatia, empatia e empatia, e outro tanto de gratidão, mas lamento informar aos sobreviventes que o Futuro Novo Normal não vai ser assim.
Prevejo o pior dos cenários, particularmente na bolha Brasil. Sou um cético militante, o que não deixa de ser um mecanismo de defesa para expectativas não correspondidas. E, no caso do futuro pós-pandemia, reverente e realisticamente, o DutraTrend se alinha ao filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, que publicou em março um texto devastador a respeito na Folha de S.Paulo. Para ele, seremos mais solidários durante a pandemia, mas passada a peste, a maioria voltará a ser como sempre foi, ostentando sua vivência consumista; o mundo estará mais pobre, os pobres mais pobres, porque haverá menos dinheiro circulando; mecanismos de controle invasivos serão valorizados em nome da segurança social e da saúde, em detrimento da liberdade; e viveremos num mundo mais remoto e, por isso mesmo, mais solitário. Vamos nos transformar num enorme BBB, onde todos serão vigiados o tempo todo, acrescento eu.
Pouco ou nada aprendemos com as crises sanitárias e financeiras ou com os grandes conflitos do passado para a constituição deste Novo Homem que, ingênua ou falsamente, se anuncia, mas que não será dessa vez que ele vai aparecer. As conquistas, as invenções, os novos processos e benefícios que experimentaremos daqui para a frente serão, essencialmente, frutos de pesquisa científica e dos investimentos maciços em tecnologia e menos da mudança de comportamento dos humanos. Mesmo agora, quando se saúda avanços no ensino on line, no reinado dos aplicativos, na maior inserção no mundo digital, nas novas formas e relações de trabalho, nas ofertas de transportes alternativos e outros procedimentos que foram adotados em função do isolamento social, cabe debitar à pandemia apenas o mérito de ter acelerado processos que já estavam em curso entre nós.
Pode ficar pior lá na frente. O historiador e filósofo israelense Yuval Noah Harari no seu livro Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã, prevê que o fim do Homo Sapiens - êpa, somos nós!- está a um século de distância, ou três gerações adiante. Surgirá, então, o Homo Deus, um ser que manterá algumas características humanas acrescidas de capacidades que seriam reservadas aos deuses. Segundo Harari, essa nova classe de pessoas, pelo desenvolvimento das ciências da vida e da inteligência artificial, vai resultar numa sociedade opressiva, totalitária e de efeitos nefastos, aprofundando as desigualdades devido a supremacia de uma elite cada vez mais minoritária. Temo pelas gerações futuras.
Por enquanto, sem muita especulação sobre o futuro e modesto nas minhas pretensões, já ficaria bem satisfeito se o combate à Covid-19 pelo menos deixasse como legado mais recursos e melhor estrutura para o atendimento em saúde da população, especialmente a mais vulnerável, e se for com menos desvios das verbas públicas, melhor ainda.
Mas volto ao Pondé e à pior de suas previsões, ao afirmar que o futuro reserva à esmagadora maioria da população pedir esmola, seja do Estado, seja nas ruas, - o que, na verdade, já está acontecendo. Só espero não chegarmos ao estágio daquela piada apocalíptica, do sujeito que chega para o outro e indaga:
- Prefere a boa ou a má notícia primeiro?
- A boa!
- A humanidade vai ter que se alimentar de cocô!
- Bah, mas e qual é a notícia ruim?
- Não vai ter cocô para todos.
Escatologia à parte, roguemos para que tudo isso seja um grande engano e que vamos sair dessa rumo ao Futuro Novo Normal, de onde emergirá o almejado Novo Homem, pleno de felicidade e cheio de bondade, e não o ancestral do elitista Homo Deus de que fala Harari. De novo, roguemos, com sinceridade e fervor.