Praças perdidas

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Não conheço melhor prazer do que ler um

livro em um banco de praça."

Paul Valéry.

O argentino Jorge Luis Borges era um dedicado apaixonado por Buenos Aires. As esquinas de Palermo Viejo e as frondosas praças do Retiro estão recorrentes em sua obra. Sempre recorda da Plaza San Martín, por onde passava em suas andanças pelo bairro. Ele morava ali perto, na Calle Maipú e frequentava quase todos os dias a Librería de La Ciudad, em frente à praça. Em um dos poemas, escreveu que estamos fadados a preservar na memória e nos sonhos as praças de nossa infância.

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A cidade de Buenos Aires soube retribuir o afeto do poeta e deu seu nome à Calle Serrano, onde ele morou quando criança. Na realidade, os bairros e praças das cidades já não são mais o que guardamos nas lembranças. As cidades se transformaram e estão irreconhecíveis ao nosso olhar interior. 

É muito possível que o velho Borges não mais reconhecesse sua Palermo. Agora é um bairro frequentado por turistas, povoado por bares de moda e lojas de grife, instaladas nos velhos casarões afrancesados. Um paralelo seria falar do carinho quase reverencial de Victor Hugo por Paris. O sucesso de 'Notre Dame de Paris' o fez famoso, com direito a um lugar no panteão dos grandes de França e a um belíssimo apartamento no Le Marais. Ele tinha gosto em receber amigos como Franz Liszt, Honoré de Balzac, Alexandre Dumas, Gustave Flaubert e Charles Baudelaire. Quando lhe perguntavam de onde retirava inspiração para seus romances, Victor Hugo abria as amplas janelas e mostrava a Place de Vosges. Quando morreu, a lenda diz que as prostitutas de Paris penduraram grandes véus negros nas árvores da praça.

Talvez outro apaixonado por Paris, o norte-americano Ernest Hemingway também teria decepções se revisitasse seus lugares prediletos. Paris nunca mais foi a mesma de quando Victor Hugo habitava na Place de Vosges nem a Paris dos Anos Dourados, quando Hemingway, Scott Fitzgerald e John dos Passos ocupavam sua mesa na esplanada do Closerie de Lilas.

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Na Porto Alegre de hoje, a realidade não é diferente. Nossa Praça da Matriz tem uma história de 250 anos, ignorada ou raramente lembrada pelas novas gerações. Ali estava instalado o poder político e cultural quando o Rio Grande sabia ditar seu destino. Ao seu redor, se erguiam palacetes parisienses e casarões senhoriais lado a lado com o Palácio do Governo, o Palácio da Justiça, o Theatro São Pedro e a primitiva Igreja da Matriz.

Mas os símbolos republicanos permanecem, cercando o gaúcho Júlio de Castilhos, no centro da praça. Lá estão as imagens da Coragem, Prudência, Educação, Civismo e Virtude. Guardados por zelosos cães de bronze, como mandam os antigos preceitos positivistas do Século XIX. 

Ao redor, crianças brincam, pessoas leem livros ou atravessam apressadas, sem prestar atenção aos canteiros de flores que o velho jardineiro Jacinto trata com louvável dedicação. Que, sem saber, evoca o poeta Mário Quintana:

"O que mata um jardim é o olhar vazio daqueles por eles passam indiferentes."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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