Princípios para a escolha do vinho

Por Flávio Dutra

Sou um sommelier fajuto. Os especialistas diriam que sou mesmo um enófilo, aquele que gosta de vinho, apenas isso, como se fosse pouco. Não canso de apregoar que tenho dificuldades de  distinguir um vinho de qualidade, mas que reconheço os ruins, especialmente no dia seguinte. Sei bem que a verdade está na taça e no paladar, mas em se tratando dessa bebida me oriento por outros referenciais, que batizei de Princípios para a Escolha do Vinho, a saber:

Princípio do Rótulo Atraente:

O rótulo é determinante na escolha. Pra mim, vinho de rótulo preto é, sem dúvida, um vinho fino e  tem preferência na escolha sobre os de rótulo branco ou de outras cores opacas. Se as letras do rótulo forem em dourado, então, trata-se de um espécime muito nobre. Fica a dica aos designers de rótulos.

Princípio da Medalha no Rótulo:

Rótulos com aquelas medalhas que remetem à  premiações, mesmo em eventos  sobre os quais nunca ouvimos falar, merecem meu respeito e meu impulso consumista. Soma pontos se a premiação for num país europeu.  Aliás, fico impressionado com a quantidade de medalhas com as quais se vangloriam quase todas as vinícolas.

Princípio da Teia de Cordinha:

Vinhos com invólucro daquelas teias de cordinha de arame fino são produtos de qualidade superior. É como se fosse uma camisinha do vinho, garantindo sua integridade e pureza.  Não são fáceis de encontrar , mas ao se deparar com alguns deles compre todos sem pestanejar e depois me fala se  tenho ou não razão.  

Princípio da Nobreza no Nome:

Vinho que tem Marquês ou Barão no rótulo é vinho nobre até no nome, além de remeterem à tradição, valor importante na escolha. Um Marquês de Montemor  ou um Barão de Rothschild devem ser coisa muito fina? Não sinto a mesma empatia pelos Condes. Entre um  vinho nobre e outro de nome plebeu, faça como eu: coloque nobreza na taça. 

Princípio da Rolha de Cortiça:

Essa não tem discussão: vinho com dignidade tem que ter rolha de cortiça. Desconfio muito dos vinhos com rolhas de outro material e mais ainda daqueles com  tampas de roscas, mesmo com a justificativa de que são adequadas para vinhos jovens. Se for o caso, fiquem com a jovialidade e me repassem os veteranos com rolha de cortiça.

Princípio da Primazia da Garrafa:

Essa também é sem controvérsia: o recipiente de vinho tem que ser a velha e boa garrafa, de preferência com paredes bem robustas.  Latinha é pra cerveja e caixinha tetra pak é pra leite e suco. O esforço dos marketeiros para impor esses formatos descabidos, dizendo que são a nova tendência, é pra enganar bobo. É coisa de quem não ama o vinho.

Princípio da Exclusão do Reservado:

Desconfio também dos vinhos que se apresentam como Reservado  para se passarem por Reserva. Vinhos Reservados são misturanças que argentinos e chilenos fazem para enganar enófilos de primeiras garrafas. Os Reservas são mais elaborados e produzidos com as melhores uvas. Superior ainda é o Gran Reserva, tipo aquele jogador famoso que o técnico não escala.

Princípio do Vinho Encorpado:

Os encorpados Cabernet Sauvignon, Malbec, Merlot, Tannat tem preferência sobre os leves, com exceção do Pinot Noir. Os especialistas dizem que são vinhos "estruturados", para serem degustados no frio, como prefiro. Os brancos e os espumantes caem bem nos dias mais quentes. O rose não tem vez na minha mesa e os suaves, vinho de missa, menos ainda. 

Na verdade, mesmo que seja papo de enochato, morro de inveja de quem discorre, com naturalidade e alguma empáfia, sobre safras e cepas, harmonizações e retrogosto, identifica notas de canela, café torrado , morango silvestre ou caramelo, sabe a  quantidade de sulfitos e a  graduação alcoólica adequadas. Como não tenho esse alcance enológico, me permito as ironias e as brincadeiras que fiz em cada referencial. Sem esnobismo, continuo sendo apenas um consumidor, aliás, um enófilo com princípios. Aos sommeliers de verdade, vai um brinde e meus respeitos.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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