Prosaicas histórias da bola

Por Flávio Dutra

A crônica esportiva é feita também de personagens e causos. Quando personagens e causos se encontram, o esporte revela seu lado mais folclórico. Bom momento para lembrar do Aparício Viana e Silva, um figuraço com quem convivi na então Companhia Caldas Júnior. Sempre bem-humorado, grande contador de histórias, ele teve presença marcante no cenário esportivo gaúcho nos anos 1960 e 70, como cronista e treinador. Só para posicionar as novas gerações, Aparício comandou a seleção gaúcha no histórico embate contra a seleção brasileira, o 3 x 3 no Beira-Rio, em 1972. 

O que nem todos sabem é que Aparício foi também árbitro de futebol e dessa atividade contava algumas histórias prosaicas e divertidas. Como a vez em que um atacante, num renhido clássico interiorano, veio reclamar que os zagueiros adversários (seriam os irmãos Pontes, do Gaúcho de Passo Fundo?) estavam batendo para valer:

- Então não vai mais lá na área deles, meu filho - recomendou Aparício ao reclamante.

Também era comum no futebol de tempos atrás a reivindicação de um e outro lado para cobrar o lateral, nas jogadas de bola prensada ou quando não ficava claro quem tinha tocado nela por último. Assim como hoje, os jogadores envolvidos dos dois times levantavam a mão e invariavelmente reivindicavam para si a continuidade da jogada, 

- A bola é de quem pegar primeiro, - sentenciava salomonicamente Aparício, certo de que a cobrança de um lateral no meio do campo não teria importância nenhuma no resultado do jogo.

Esta outra situação teria acontecido em Rio Grande, no clássico Rio-Rio e me foi contada por um ex-boleiro que transitou pelo futebol do interior. Jogo encardido e o juiz marca uma falta perigosa para o Riograndense, nas imediações da grande área. O centroavante Nico, famoso pelo seu chute potente, foi escalado para fazer a cobrança e surpreendentemente bateu forte, mas para fora, longe do gol. Mais surpreendente ainda foi a decisão do árbitro, que apontou para o centro do campo, confirmando o gol. Diante da indignação dos jogadores do Rio Grande, o apitador explicou sua decisão:

- Dali o Nico nunca errou um gol.

Consta que depois disso o clássico não terminou bem. Ou melhor, nem terminou.

Na várzea que frequentei nos campos do bairro Petrópolis conheci um centroavante que, diferente do Luisito Suárez,  não errava pênaltis: era o Irani, jogador habilidoso e de chute certeiro e forte. A receita dele era simples e infalível:

- Miro no distintivo do goleiro e dou uma bicanca. O goleiro sempre se atira para um dos lados e se ficar no meio vai entrar com bola e tudo.

O futebol de antigamente me parecia bem mais simples e prazeroso.  

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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