Quando os ETs vierem

Por Flávio Dutra

Havia um restaurante no Centro de Porto Alegre que servia aqueles pratos tipo bastantão, um Tudo pelo Social da época. O local era decorado em todas as paredes com pinturas de bucólicas cenas pastoris, de situações bem antigas. Uma forma de exaltação ao gauchismo, provável saudosismo interiorano do proprietário do estabelecimento. Certa noite, a equipe da Editoria de Esportes da Zero Hora nos idos dos anos 1970, foi jantar no tal restaurante e o nosso editor, o impávido Cói Lopes de Almeida, olhou aquelas pinturas todas e revelou uma pertinente preocupação:

- Imagina se num futuro distante fizerem escavações neste lugar e descobrirem o que sobrou das paredes, com essas pinturas aí. Certamente vão pensar que vivíamos assim em pleno século 20. 

Esse olhar para o futuro é instigante e o Cói, que fazia o gênero maluco-beleza, antecipou o equívoco que poderiam incorrer os exploradores dos séculos vindouros. 

Hoje, passados mais de 45 nos da quase profecia do editor, fico imaginando os ETs chegando à Terra depois de a humanidade como a conhecemos hoje ter enveredado para outra espécie (é o que pressagia o pensador Yuval Harari no livro Homo Deus) e aqui decifrassem, como champollions futuristas, o acervo das postagens nas redes sociais produzidas nestes anos controversos. Depois de pesquisar, os visitantes extraterrestres recomendarão aos seus superiores: 

- Planeta de vibe ruim. Não vale a pena investir aqui. Alô, base, estamos voltando.

Seria tão mais amigável para os ETs se tivessem descido em Porto Alegre e descobrissem nas ruínas de um prédio no Centro Histórico da cidade as paredes ornadas com pinturas de cenas gauchescas. Provavelmente, o maior estranhamento dos alienígenas seria quanto a um equipamento arredondado, com uma espécie de canudo na ponta, que a maioria portava numa roda de terráqueos, em volta de um fogo, conforme mostrava uma das ilustrações encontradas. Seria um aditivo, uma bebida regenerativa, uma iguaria que circulava de mão em mão? 

Os intrigados visitantes pediriam a vinda de seu mundo distante de uma equipe de especialistas, só para analisar o misterioso achado pictórico, que apareceria em outras ilustrações, mas circunscrito a poucas regiões do planeta invadido. Depois de descobrir do que se tratava e das propriedades da bebida que os humanos sorviam com tanto prazer, os intergalácticos, já aquerenciados por aqui, adotariam o mesmo hábito. 

Passa o tempo e, então, gerações futuras aportam novamente na Terra com uma nova leva de colonizadores do espaço distante, que encontram em alguma superfície ilustrações de seus antepassados segurando um equipamento redondo com uma espécie de canudo na ponta, reunidos em volta de um fogo digital, e intrigados...

(Sei lá, mas acho que este texto acabou virando uma "viagem" digna das elucubrações do Cói)

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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