Que jornal é este?

Por José Antonio Vieira da Cunha

Este Coletiva.net iniciou seu trabalho em 1999, alvorada da internet, e no início deste século seus criadores idealizaram criar também uma escola de comunicação ligada a ele, a ColetivaEAC - Estudos Avançados em Comunicação, Marketing e Opinião Pública. Ministrei um dos módulos sobre tendências, no qual analisava o estágio atual do jornal e seu futuro - que, por todas as circunstâncias, ali em 2005 já se mostrava incerto. E eu ousava datar, para surpresa e inconformismo de boa tarde dos alunos, quase todos eles jornalistas: não sobreviveria a 2030, pelo menos não na forma como o conhecíamos e amávamos então.

As dificuldades com logística para distribuição do jornal, sua forma de produção com utilização massiva de insumos cada vez mais caros como papel e tinta, ambos inflados pelo dólar, aliados ao fato de as novas gerações desprezarem a leitura neste meio de comunicação, optando por outras que pareciam mais prazerosas, contribuíam para acelerar este fim. Sim, tudo isso, devidamente documentado e datado, era dito por este escriba quase vinte anos atrás.

Aquele futuro está cada vez mais próximo, se usarmos como régua o que acontece neste exato momento. Todos os grandes jornais brasileiros tiveram queda acentuada de circulação nos últimos cinco anos, independente, portanto, do que se passou com a pandemia. Estadão, Globo, Folha e Zero Hora tinham, em 2016, tiragens em torno de 130 mil a 122 mil exemplares diários. A última amostragem, feita semana passada, mostrou que todos minguaram, de 75 mil, caso do Estadão, o que mais vende, a 49 mil, caso da ZH. A Folha de S.Paulo, que nos seus melhores momentos vendia mais de um milhão de exemplares aos domingos, hoje tem de se contentar com uma tiragem de 58 mil. 

Outra notícia desta semana sacode a atenção de leitores e anunciantes. O vetusto Estadão abandonou o formato standard que adotou há 146 anos por um menor, o chamado Berliner. Do tamanho 60 cm por 75 cm passou para o modelo "berliner", com 31,5 cm por 47 cm. Sinal de rejuvenescimento para uns, de recuo estratégico para outros. 

O fato é que pouco a pouco o jornal impresso definha e perde relevância. Agora mesmo, pesquisa realizada pela PoderData, ligada ao site Poder 360, procurou saber quais meios de comunicação são mais utilizados pelos brasileiros para se informar. Os meios investigados são televisão; redes sociais; sites e portais; rádio; e 'outros meios'. Onde está o jornal? Virou outros meios, veja só. E com um desempenho pífio: 40% têm como principal meio de informação a televisão, 22% as redes sociais, 21% os sites e portais, 8% outros meios e 7% privilegiam o rádio.

Claro que em "sites e portais", certamente os conteúdos produzidos por jornais estão bem vivos, provavelmente entre os mais acessados. Mas ali, ironia pura, o jornal impresso perde sua identidade, assume uma nova cara, e acaba não sendo identificado pelo internauta como 'jornal'. 

O jornal, tal qual o conhecemos há mais de dois séculos, caminha sem desvios para o túmulo final. Por enquanto, outra ironia, é muito demandado por donos de cães e gatos, que têm nas folhas dos periódicos material de primeira qualidade para as necessidades dos queridos pets. Jornaleiros mais atentos, mas infiéis e indelicados, adoçam a oferta com um gentil apelo, como este da foto: criou o Jornal Pet, "ideal para seu companheiro". Cada fardo tem um quilo, vendido a 12 reais. E, no caso deste vendedor insensível, ainda enxovalha o bom nome do austero e sempre querido Jornal do Comércio.

Destino cruel para um diário  

Coluna publicada originalmente em 19/10/2021

 

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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