Quem pariu Mateus, que o embale

Por Marino Boeira

 Só pra efeito de propor uma discussão. Numa hipotética eleição de hoje na Alemanha, se apresentam dois candidatos: a atual chanceler Angela Merkel e um obscuro parlamentar que se diz herdeiro de Adolfo Hitler.

 Uma vez que este é um portal voltado para comunicadores, como você acha que os meios de comunicação deveriam se comportar?

 Vamos pensar, não em meios de comunicação previamente comprometidos com um dos candidatos, mas em veículos formalmente independentes e apartidários.

 Seria aceitável numa democracia, como a alemã, imaginar que algum desses veículos  apoiasse um candidato que se inspira em uma figura tão execrável como  Hitler?

 Penso que não.

 Agora, vamos pensar no Brasil.

 No primeiro turno das eleições de 2018, havia um número grande candidatos, cobrindo um espectro político que ia da extrema direita à extrema esquerda e era até recomendável que os veículos de comunicação não defendes sem nenhuma candidatura.

 Mesmo que isso seja comum nos Estados Unidos, onde os grandes jornais sempre apóiam claramente um dos candidatos em seus editoriais. E os jornais americanos são para a maioria da nossa mídia, um exemplo a ser seguido.

 Mas, vamos voltar às eleições brasileiras de 2018

 No segundo turno dessas eleições havia, porém, uma situação bem  diferente.

 A eleição estava polarizada em dois candidatos: um, Fernando Haddad, era visto como uma tentativa de uma retomada do poder por um partido político que a mídia, a uma só voz, tinha  condenado, o PT.

 Mas era pessoalmente uma figura acima de qualquer suspeita. Um professor universitário, com uma administração elogiada como ministro da Educação; um homem sabidamente civilizado e democrata.

 Do outro lado estava alguém cujo passado era pleno de atividades pouco recomendáveis. Como militar fora acusado de vários crimes e levado a julgamento pelo Superior Tribunal Militar, escapou por pouco de ser expulso do Exército, acabando apenas por ser reformado.

 Como deputado federal,  se destacou por um comportamento pouco condizente com o que se espera de um parlamentar. Na sessão da Câmara que julgou o impeachment da presidenta Dilma dedicou seu voto à memória do Coronel Brilhante Ustra.

 Para quem não lembra, o coronel Ustra foi o único militar de alta patente no Brasil reconhecido pela Justiça como autor de atos de tortura contra presos políticos.

 Então, quando Haddad e Bolsonaro surgiram como os que sobraram do primeiro turno das eleições presidenciais para a disputa final, o que fez a mídia brasileira?

 Se disse isenta.

 Alguns veículos fizeram pior: trataram de minar a candidatura de Haddad vinculando-o às pretensas corrupções do governo petista.

 Aqui no Sul, o nosso maior jornal, aquele editado pela família Sirotski e seus herdeiros, também vestiu a fantasia da imparcialidade,  embora na sua linha editorial e pelos seus principais colunistas, na prática apoiasse o candidato Bolsonaro, aquele que se dizia admirador de um reconhecido torturador.

 Agora, um ano e pouco depois, os editoriais do jornal e seus colunistas principais, começam timidamente a criticar os gestos mais tresloucados do Capitão que ajudaram a eleger.

 Descobriram agora que apoiaram um psicopata.

 É tarde demais. Como  diz o velho ditado, quem pariu Mateus, que o embale.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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