Recomendações aos eleitores e a Dialética Erística
Por Flávio Dultra
Ano de eleição é ano de escolhas, que vão influir no nosso dia a dia para o bem ou para o mal. Por isso, me atrevo a fazer essas recomendações aos eleitores menos afeitos às artimanhas da política. Não vá atrás do candidato que diz 'Vem Comigo". Você pode entrar numa fria. Preste atenção no que conclama "Você me conhece", porque é um ilustre desconhecido. Desconfie dos que são "contra a velha política", porque estão prenhes de vontade de fazer parte dela. Não leve a sério os que usam em vão o santo nome do "povo" e relativize quem diz que defende ardorosamente o "estado democrático de direito", porque pode estar diante de um autoritário raiz. Nas eleições, mais vale o que parece do que aquilo que é falado.
Dito isso, confesso que tenho uma inveja danada desse pessoal mais apetrechado intelectualmente que consegue definir pessoas e situações com uma frase, uma tirada. O saudoso ex-deputado Ibsen Pinheiro, um frasista talentoso, falava de um dos seus tipos inesquecíveis, o Banal Solene, exemplificando com um colega de parlamento e conhecido homem de comunicação, como ele. O sujeito usava citações do tipo "os rios correm inexoravelmente para o mar", uma lição que qualquer criança do nível fundamental já sabe, mas que dita com a devida formalidade e acompanhada de um advérbio, ganhava uma conotação de ineditismo e frase de efeito.
Em tempo de campanha eleitoral, faço essa introdução sobre os ardis que a maior ferramenta que possuímos, a palavra, pode mostrar, a propósito de um livro que encontrei num balaio na Feira do Livro de Porto Alegre. O título já diz tudo: "38 estratégias para vencer qualquer debate', com o subtítulo "A arte de ter razão". Trata-se de uma preciosidade, com métodos e truques no uso das palavras na argumentação, escrito por Arthur Schopenhauer, filósofo alemão que viveu entre 1788 e 1860. Mais de dois séculos depois, a obra se mantém atual como nunca e poderia servir de manual para qualquer campanha eleitoral moderna, ou como afirma o linguista alemão Karl Otto Erdmann (1858-1931) na apresentação do livro " (...) até mesmo em discussões acadêmicas nos deparamos hoje com os mesmos truques utilizados há séculos", muitos deles remontando aos escritos de Aristóteles (384 AC - 322 AC), sempre citado pelo autor. Partindo desses escritos, Schopenhauer desenvolve sua Dialética Erística, a arte de discutir de modo a ter razão.
Aqui vão algumas das estratégias elencadas pelo filósofo alemão. São aparentemente simples, mas diretamente eficazes para vencer debates.
Estratégia 9: "Disfarce seu objetivo final", de forma que o oponente não saiba aonde você quer chegar e não possa se precaver.
Estratégia 20: "Não arrisque num jogo ganho", se as premissas foram aceitas pelo oponente, não buscar nova confirmação, mas apresentá-las como verdades absolutas.
Estratégia 28: "Ganhe a simpatia da audiência e ridicularize o adversário", aplicável especialmente quando pessoas cultas discutem diante de uma plateia leiga.
Algumas estratégias são auto explicáveis como as de numero 29 -" Não se importe em fugir do assunto se estiver a ponto de perder" - ou a 36 - "Confunda e assuste o oponente com palavras complicadas."
A cada uma das estratégias corresponderia um exemplo no atual momento politico brasileiro ou em episódios recentes, como a 32, que os editores do livro no Brasil (Faro Editorial) escolheram para ilustração. O enunciado é " Cole um sentido ruim na proposta do outro" e o exemplo é o ataque do então candidato Bolsonaro, com a ideia do Kit Gay, à campanha do Ministério da Educação para combater a homofobia. A pregação amedrontou a população mais conservadora e desinformada e, como resultado, conseguiu que vários políticos deixassem de apoiar o projeto.
O rol de dissimulações e pragmatismo do livro de Schopenhauer se encerra com esta pérola na estratégia 38: "Como último recurso parta para o ataque pessoal", bem assim, no melhor estilo Pablo Marçal, em São Paulo, deixando de lado o assunto em discussão (porque ali o jogo está perdido) para atacar de forma ofensiva e rude o adversário como última esperança de vencer o confronto. O autor ressalta que se trata de um truque muito apreciado, pois pode e costuma ser usado por qualquer um, por isso assume como única regra segura contrária aquela que Aristóteles (sempre ele) apresentou no último capítulo dos Tópicos: não discuta com o primeiro que aparecer, mas só com quem tem conhecimento suficiente para não dizer coisas absurdas, que dispute com argumentos e não com afirmações de força e que valorizem a verdade.
Pelo visto, Schopenhauer e Aristóteles não tinham nada de banais, nem de solenes.