Roupa adequada para a cobertura

Por Renato Dornelles

Mais um carnaval se aproxima e, para mim, mais uma cobertura jornalística da maior festa popular do país. Já são 37, levando-se em conta que em 2021 não tivemos Carnaval, por conta da pandemia. A cada cobertura, sempre vem junto um aprendizado. Um desses aprendizados veio com um fato ocorrido em 22 de fevereiro de 1998. 

Era domingo de Carnaval e eu e o fotógrafo Guaracy Andrade, na época ambos em Zero Hora, dormíamos em um hotel em Copacabana, no Rio, à espera da primeira noite de desfiles do Grupo Especial de escolas de samba, na Marquês de Sapucaí. Na véspera, havíamos feito a cobertura da tradicional Feijoada do Ricardo Amaral, do desfile da Banda de Ipanema e do baile de gala do Copacabana Palace.

Mal havia amanhecido e minhas horas de sono não passavam de duas, quando o telefone do apartamento em que eu estava tocou. Era a telefonista do jornal, me informando que o "seu Cyro (Cyro Silveira Martins, então editor-chefe de ZH) queria falar com urgência comigo.

Naquela época, era difícil conseguir sinal de celular no Rio de Janeiro. Então, tive que me vestir, pegar o aparelho e tentar a sorte em algum ponto fora do hotel. Consegui contatar o Cyro, que me informou que havia desabado um prédio na cidade e que precisávamos fazer a cobertura.

Foi aí que me dei conta de uma coisa. Como estávamos programados para estarmos no Rio de sábado à terça, sempre envolvidos com eventos carnavalescos, poupei na bagagem: levei apenas a camiseta que valia também como ingresso para a feijoada, com a qual também cobriria a Banda de Ipanema, um smoking, para o baile do Copacabana Palace e duas camisetas de cobertura de carnaval de ZH para trabalhar na Sapucaí.

Eis então que veio o dilema: o que vestir para a cobertura do desabamento de prédio? E vejam que eu ainda nem sabia da dimensão do fato - era o desabamento do Palace II, que matou oito pessoas e deixou 176 famílias desabrigadas na Barra da Tijuca.

Por sorte, muitas lojas abrem durante o carnaval inteiro na Cidade Maravilhosa, o que me possibilitou comprar uma camisa adequada para a cobertura de uma tragédia.  Afinal, não ficaria nada bem chegar ao local com camisetas com motivos carnavalescos ou com um smoking. O aprendizado foi que jornalistas têm que estar sempre preparados para qualquer tipo de pauta. 

Autor
Jornalista, escritor, roteirista, produtor, sócio-diretor da editora/produtora Falange Produções, é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (1986), com especialização em Cinema e Linguagem Audiovisual pela Universidade Estácio de Sá (2021). No Jornalismo, durante 33 anos atuou como repórter, editor e colunista, tendo recebido cerca de 40 prêmios. No Audiovisual, nos últimos 10 anos atuou em funções de codireção, roteiro e produção. Codirigiu e roteirizou os premiados documentários em longa-metragem 'Central - O Poder das Facções no Maior Presídio do Brasil' e 'Olha Pra Elas', e as séries de TV documentais 'Retratos do Cárcere' e 'Violadas e Segregadas'. Na Literatura, é autor dos livros 'Falange Gaúcha', 'A Cor da Esperança' e, em parceria com Tatiana Sager, 'Paz nas Prisões, Guerra nas Ruas'. E-mail para contato: [email protected]

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