Ruas, becos e vielas

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Quando eu sonhava, era assim. 

Essa imagem fugidia 

Que nunca pude alcançar."

Almeida Garrett.

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Até mesmo os frequentadores mais assíduos de Lisboa se dizem fascinados pelos nomes das ruas e praças da capital de Portugal. Um conhecido fadista da Alfama, Rodrigo Costa Felix, que canta e encanta turistas no Clube do Fado, na Rua de Saudade, diz ser um apaixonado pelas coisas de Lisboa. Para ele, as denominações às vezes estranhas e misteriosas das ruas, becos, vielas refletem a alma lisboeta. E lembra o que cantava o poeta António Nobre:

"Ó Lisboa das ruas misteriosas!

Da Triste Feia, de João de Deus,

Beco da Índia, Rua das Fermosas,

Beco do Imaginário, dos Judeus,

Travessa das Isabéis,

E outras mais que vós sabeis."

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Outro poeta, o grande Fernando Pessoa, sempre lembrava da Baixa de Lisboa, bairro onde passou grande parte de sua vida. Em seus poemas evoca alguns dos lugares pelos quais passeava, escrevia ou trabalhava. E como o heterônimo Bernardo Soares, não esquece de onde compôs seu 'Livro do Desassossego': 

"Se eu tivesse o mundo na mão, trocava-o,

por um bilhete para a Rua dos Douradores."

Ele relata que conheceu Bernardo Soares em uma Casa de Pasto que ambos frequentavam no Rossio. Não revela o nome do lugar, mas deve ter sido no Café Martinho da Arcada ou em um dos muitos e tradicionais cafés que por lá existiam, na Rua da Prata, Rua de São Julião, Rua da Betesga ou na Rua dos Fanqueiros. Antes de Fernando Pessoa, poetas e escritores, como Antero de Quental e Almeida Garrett falavam sobre os curiosos e insólitos nomes dados às ruas e logradouros de Lisboa. Como a Triste Feia, que não é rua nem praça, mas um charmoso recanto em Alcântara. As lendas falam de uma certa moradora, mulher feia e triste, que sentava-se à porta da casa nº 28 para chorar as mágoas.                                                                                

Mas nem todas as ruas tem uma estória para contar. No bairro  de Madredeus existe uma rua Azinhaga da Bruxa e não longe dali, um Beco da Bixa, cujos nomes desafiam nossa imaginação. Para provocar, qual seria a razão de um lugar na Alfama ser chamado Jardim das Pichas Murchas, que não é jardim nem tem nada que possa murchar?

Outro nome com estória - no bairro da Glória, a Travessa do Fala Só, foi batizada por antigos moradores porque havia um homem que falava sozinho...

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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