Ruas com alma

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"A minha cidade é feita de luz

de sóis e de luas, de esquinas e ruas

e de lençóis à janela".

José Fanha, poeta português

São dois grandes escritores, quase poetas, que escreveram sobre o seu Uruguai. Tanto Mario Benedetti como Eduardo Galeano, mesmo com estilos e discursos diferentes, proclamam que as ruas de Montevidéu tem vida e alma próprias. Para os que conhecem a capital uruguaia e já flanaram pelas ruas do Centro Histórico hão de concordar com o discurso dos dois escritores - Montevidéu é, acima de tudo, uma cidade respirável e caminhável - luxo cada vez mais raro no mundo de hoje.

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Boa parte do romance "A Trégua" de Mario Benedetti foi escrito em uma mesa de janela no extinto Café Sorocabana, que ficava na Calle 25 de Mayo. Não longe do Café Brasilero, na Calle Ituzaingó, que era o lugar cativo de Eduardo Galeano.

Ali, o autor de "As veias abertas da América Latina" passava horas escrevendo e onde concedia entrevistas aos jornalistas estrangeiros que vinham atrás de seus preciosos aforismos. Assim como ele, Mario Benedetti viveu, amou e soube retratar Montevidéu como poucos. Seus livros por vezes se confundem com ruas, personagens e até mesmo com as cores e perfumes  da cidade. Já Eduardo Galeano apreciava longas caminhadas pelas ramblas que margeiam a cidade, alinhadas ao rio da Prata. Para ele era quase um compromisso ritual:

"Vou caminhando pela costa da cidade onde nasci.

Ando nela e ela anda em mim. E, enquanto vou, as palavras caminham dentro de mim e vão formando histórias."

Seus amigos do Café Brasilero, contam que em seus últimos anos de vida, ele saía de sua casa em Pocitos para flanar pelas ruas e praças de Montevidéu, onde, segundo dizia, as pessoas "amam sem dizer e abraçam sem se tocar.

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Os dois não estão sozinhos na faina de louvar sua cidade natal. Muitos dos grandes escritores eram encantados por suas cidades de nascimento ou pelas quais cultivavam grandes afetos. Fernando Pessoa sonhava e amava Lisboa. E sobre ela compôs versos inesquecíveis. O irlandês James Joyce percorria as ruas, as praças e os pubs de sua mítica Dublin.

Quando ainda cursava o Liceu Condorcet, em 1890, Marcel Proust já escrevia sobre Paris. Anos mais tarde, mesmo encerrado em seu apartamento no 8º Distrito, se assume como um verdadeiro habitante da Rive Droite. 

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Como rezam as lendas, para encontrar a alma oculta de uma cidade, devemos seguir as pegadas e os caminhos dos escritores e poetas que as amaram profundamente. 

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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