Soneto da insegurança pública

(Sobre o poema de Vinícius de Moraes) De repente nas ruas fez-se o deserto Ameaçador e escuro como os vultosE das bocas mudas fez-se …





















(Sobre o poema de Vinícius de Moraes)


De repente nas ruas fez-se o deserto
Ameaçador e escuro como os vultos
E das bocas mudas fez-se os sustos
E das mãos ao alto fez-se seqüestros


De repente da farda fez-se ausência
Que dos olhos desfez o patrulhamento
E do camburão fez-se estacionamento
E do crime comum fez-se ocorrência
 
De repente, não mais que de repente
Fez-se o quartel esconderijo policial
E sem pensar se desfez o contingente
 
Fez-se do vigilante próximo o distante
Fez-se da vida um risco governamental
De repente, não mais que de repente.


Para os albinos, casa com excelente orientação solar
é aquela com sombra a maior parte do dia.


Para os moradores do agreste, previsão de tempo bom
é a que anuncia chuvas por longos períodos.


Para os hidrófobos, a escassez de água é como um oásis.


Para os deficientes auditivos, a Sinfonia Inacabada
de Schubert e o Moto Perpétuo do Paganini
são do mesmo tamanho.


Para os eunucos, um harém é tão apetitoso
quanto um osso para um cão desdentado.


Para os diabéticos, um açucareiro
é a coisa mais amarga que existe.


Para os sem-teto, os automóveis no viaduto
são como ratos num sótão.


Para os céticos, as más no tícias dos jornais são
as únicas que merecem atenção.


Para os daltônicos, monocromia é algo visualmente
tão bonito quanto a policromia.


Etc.


Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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