Sou Fogão desde pequeninho

Por Flávio Dutra

 

No ano passado, quase nesta mesma data, publiquei aqui no Coletiva um texto dando conta da minha frustração com  a campanha do Botafogo no Campeonato Brasileiro. Depois de pontear boa parte da competição, numa confortável distância sobre os mais próximos perseguidores, o Fogão deixou escapar nas últimas rodadas um título que já estava na mão e que não era conquistado desde 1995. "Requiem para meu Botafogo", titulei na ocasião. Agora renasce a esperança  de que os dias de glória do time que um dia teve Garrincha, Didi, Nilton Santos, Zagalo, Jairzinho  estejam de volta. É tempo de festejar com a heroica, ousada e incontestável  vitória na decisão da Copa Libertadores da América, na conquista deste título inédito e na expectativa que venha também o a taça da Campeonato Brasileiro, para compensar a frustração de  2023. E quem sabe, logo adiante, a tríplice Coroa, com o título mundial de Clubes, igualmente inédito,  resgatando de vez a aura de Glorioso, como também é conhecido pelos seus aficionados. Bem diferente daquela abertura e da  titulação do ano passado, recupero o mesmo texto publicado em 2015, agora de celebração para o meu Botafogo:

Em algum lugar do passado ouvi do técnico Ernesto Guedes sobre a situação do Botafogo:  "É uma torcida e um saco de uniforme". O exagero do técnico,  que recém havia dirigido o time carioca,  me incomodou muito, eu que sou botafoguense desde pequenino. A verdade é que o simpático Fogão desafia os astros, a lógica, a realidade e, entre altos e baixos,  sobrevive e se renova.  Só que vivia um dos tantos momentos de baixa quando o Ernesto por lá passou. 

Minha paixão pelo Botafogo nasceu no dia em que ganhei de Natal um jogo de futebol de botão do tipo panelinha, com aquela estrela solitária aplicada sobre os botões.  Para o menino de 10 anos só uma bola poderia ser um presente melhor.  Era também o tempo em que o Botafogo rivalizava com o Santos  como grande time brasileiro e uma das bases da seleção canarinho, campeã do mundo em 1958 e 62. O Santos tinha o talento coroado de Pelé e o Botafogo a magia de irresponsável de Garrincha e mais meu ídolo  Nilton Santos,  além de Didi, Quarentinha, Zagalo, Amarildo e, antes, o grande Heleno de Freitas, e tantos outros craques que ficaram na história.  Ainda é o clube que mais forneceu jogadores para seleção brasileira em copas do Mundo. 

Mais tarde descobri que o Glorioso era o time preferido da maioria dos gaúchos que migravam para o Rio. Não consegui descobrir a razão dessa  preferencia de gremistas e colorados expatriados, mas ela é real e, se precisar, cito quantos exemplos forem necessários. Nos meus tempos de repórter esportivo descobri também que havia uma ativa torcida organizada do Botafogo em Porto Alegre.  Desconheço se ainda existe, mas em se tratando do Fogão, não duvido. 

Mantenho uma paixão à distância, quase platônica, pela Estrela Solitária, tanto assim que não me lembro de ter assistido a qualquer jogo da equipe em estádio.  A razão dessa idealização talvez esteja na percepção que o Botafogo transmite, nem popularesco como o Flamengo e o Vasco, nem metido a elitista como o Fluminense, mas afetando uma nobreza que o distingue dos seus pares cariocas. Este é o meu Botafogo, que acompanho desde que me conheço por gente.   É uma trajetória  de altos e baixos,  como a venda do patrimônio do estádio de General Severiano e da sede do Mourisco que representaram também  a perda de parte da identidade botafoguense,  as boas fases com os títulos nacionais (1968 e 95) e o recorde de invencibilidade (52 jogos entre 1977 e 78), a queda para a segunda divisão (que sina a minha!) e agora o retorno glorioso, como o cognome do clube, com três rodadas de antecedência. 

Por tudo isso, jamais vou perdoar Ernesto Guedes pela avaliação cruel e intempestiva do passado, porque, afinal, como no hino de Lamartine Babo, a estrela solitária me conduz!

 (Na quarta-feira o Botafogo enfrenta o Inter e, se vencer, pode confirmar o título do Brasileiro. Será muita alegria para um botafoguense gremista.)

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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