Sua privacidade x Threads

Por Paula Beckenkamp

O novo aplicativo da Meta chegou fazendo muito barulho e conquistando usuários em tempo recorde. Como era de se esperar, o ingresso na nova plataforma foi massivo e em questão de horas. A Bigtech sabe o que está fazendo e sabe, também, que você irá "comprar" seus novos aplicativos sem ler seus termos de uso.

Ela é diretamente vinculada ao Instagram e, ao entrar nela, são importados todos seus dados pessoais e seus contatos. Além disso, seu comportamento em rede, comportamento de consumo e de pensamento também são importados. Você consentiu com isso ao aderir e aceitar os termos de uso e políticas. Também aceitou que, para excluir sua conta no Threads, será obrigado a excluir sua conta do Instagram - sabia disso?

E o que tudo isso tem a ver com privacidade e proteção de dados?

Tudo!

Sua privacidade está no seu campo pessoal, é aquilo que você admite ou não que todos saibam. Você "abre" ela e compartilha com as pessoas e empresas somente o que deseja (o resto você mantém na sua esfera privada): será mesmo? Esse cenário seria o ideal; no entanto, é ilusão acreditar que consigamos manter nossa privacidade intacta, quando estamos constantemente expostos nas redes sociais e aplicativos. 

E observe bem: quando digo "expostos", não estou me referindo àquela pessoa que compartilha diariamente sua vida nas redes. Podemos ser somente expectadores e, ainda assim, estamos expostos. O Google sabe tudo que você faz, onde vai, a que horas dorme, do que mais gosta e o que consome. A Alexa, igualmente. Hoje em dia, é muito fácil definir o comportamento de consumo de um público alvo e vender tudo que a ele se relaciona: há empresas que usam justamente esse imenso banco de dados e rastros que deixamos na internet (Google, Whatsapp, Instagram, Facebook, Twiter...), para oferecer o produto ou serviço certo, na hora certa, para a pessoa certa. 

Por isso é que, ao analisar os termos e políticas do Threads, os profissionais da área de Privacidade e Proteção de Dados identificaram inúmeros perigos. Não por outro motivo, nossa Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) está acompanhando de perto a nova plataforma, desde o seu lançamento, já que ela promete revolucionar a forma como lidamos com as informações pessoais. 

Naturalmente, averiguar como será feita a adequação à legislação brasileira de proteção de dados é etapa obrigatória - Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Então, primeiro a ANPD quer se certificar de que a nova rede social "saiu de fábrica" programada para cuidar da privacidade de seus usuários. Aliado a isso, será analisado se ela tem, como padrão, proporcionar a proteção dos dados pessoais que coleta.

Como assim?

Conforme citado acima, a Autoridade Nacional está de olho em dois conceitos básicos na LGPD, que devem ser seguidos por toda empresa no Brasil: cuidado com privacidade e proteção de dados pessoais desde a concepção e como padrão.

Tecnicamente, chamamos isso de "Privacy by Design" e de "Privacy by Default".

São princípios internacionais de Privacidade e Proteção de Dados que devem ser observados no mundo todo. 

Sinteticamente, "Privacy by Design" é incluir medidas de privacidade e proteção de dados pessoais em todas as fases de um projeto - da concepção de um produto, serviço ou sistema, até a implementação.

Por sua vez, "Privacy by Default" é garantir que as configurações e padrões de privacidade e proteção de dados pessoais sejam configurados de modo a fornecer o nível máximo de proteção, por padrão.

No caso do Threads (ou de qualquer outra plataforma, produto ou serviços), espera-se que o usuário conte com configurações iniciais que garantam a sua privacidade e protejam seus dados pessoais, como padrão. Caso o próprio usuário queira alterar essas configurações, aumentando ou reduzindo os níveis de segurança, ele é que deve fazer essa escolha e não a plataforma (que geralmente entrega essas configurações padronizadas e estáticas, restando ao usuário apenas aceitá-las).

Com isso, não estou querendo fazer alarde ou dizer que não ingressem na plataforma. Não, mesmo! Entretanto, conhecimento é uma arma poderosíssima e somente quando o temos somos capazes de fazermos melhores escolhas e de exigir o cumprimento das leis pelas empresas.

Não abra mão de sua privacidade e da segurança dos seus dados pessoais de forma inconsciente ou sem conhecimento algum. Faça, isso sim, de forma inteligente, e com informação. Dessa forma, será livre para aceitar ou não as regras de cada empresa, ciente de suas escolhas e consequências.

Um abraço e vamos juntos na direção do uso consciente das tecnologias!

Autor
Advogada, sócia do escritório Beckenkamp Soluções Jurídicas, tem mais de 22 anos de experiência profissional e passagem pelo Poder Judiciário e Ministério Público Estaduais. É Data Protection Officer - DPO, especialista em Direito Digital e Proteção de Dados (GDPR LGPD), com certificação internacional pela EXIN. É professora e palestrante. Membro da Comissão Especial de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RS, do Comitê Jurídico da ANPPD, do Núcleo de Privacidade e Proteção de Dados da Associação Comercial de Porto Alegre e do INPPD. É uma das Speakers do seleto grupo de profissionais da AAA Inovação. Cofundadora da empresa DPO4business, também é especialista em Contratos e Registro de Marcas, atuando no ramo empresarial com consultoria e assessoria. É especialista em Holding Familiar e Rural, atuando na inteligência tributária e proteção patrimonial. E-mail para contato: [email protected]

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