Tafona, uma história para conhecer

Por José Vieira da Cunha

O final de cada ano tem o mágico poder de estimular confraternizações de todo gênero, levando a reencontros de amigos e parentes que conduzem a momentos festivos em que a alegria impera. Não é diferente com a imensa família Vieira da Cunha, que eventualmente, por iniciativa de alguma boa alma, desta vez a sobrinha Lísia, se reúne para viver, conviver e relembrar fatos e as pessoas que os tornaram inesquecíveis. O último encontro aconteceu neste fim de semana e foi enriquecido pelo cenário que o abrigou, a Fazenda da Tafona, um sítio histórico de valor inestimável que desde sua origem, há nove gerações, permanece com um braço da família.

Seu casarão e o que o cerca testemunharam momentos relevantes da formação de nossa terra, e seus proprietários se esmeram em preservar esta memória, compromissados que estão com o fato de o onjunto ter sido tombado pelo IPHAE (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul) em 2016. A preservação se justifica por seus valores históricos e arquitetônicos, preservados talqualmente foram erigidos em 1813. Móveis, equipamentos e armas originais, entre elas preciosas adagas e centenas de objetos de louça em barro, cerâmica e porcelana, ali estão, exibindo como eram os usos e costumes dos séculos 18 e 19. E com o devido destaque figura o engenho da tafona, um moinho de farinha de mandioca movido por tração animal. Conservado com o cuidado que merece, é tido como um dos únicos exemplares completos que está em seu lugar original.
O casarão foi erguido no formato U, e vale citar uma das características que levaram o IPHAE a distinguir o conjunto: a argumentação de que o valor arquitetônico está "nas suas técnicas construtivas de origem luso-brasileira, e o conjunto de móveis agregados ao edifício complementa a narrativa iconográfica da época". Destaca ainda que o mobiliário autêntico e o mecanismo completo da atafona, com as peças artesanais em madeira, mantidas no local da produção, reforçam o valor estético.

Eram escravos que moviam todas as engrenagens naquelas terras, o que incluía a produção da farinha de mandioca e a extensa criação de gado. A prima Marô Vieira da Cunha Silva e o marido Marco se desdobram para manter viva esta história, e há pouco mais de um ano realizaram um ato de grandeza ao apresentarem um pedido público de perdão pelo modelo de colonização que vigorou no local durante bom tempo, até o final do século 19. O pedido veio no formato de uma carta que reconheceu o passado escravocrata que vigorou ali, fruto de uma cultura que, longe de ser pacífica, sustentou "uma guerra injusta, desigual e desumana". E foi com evidente emoção que Marô anunciou para os cerca de 70 presentes ao encontro do familião que na semana passada foi aprovado na Lei Rouanet o projeto para recuperação das paredes de barro e do telhado com suas telhas introduzidas pelos portugueses no século 16. É obra para cerca de 6 milhões de reais, e torce-se desde já para que surjam em horizonte próximo os mecenas necessários.

A Fazenda da Tafona, agora reconhecida como território negro do Rio Grande do Sujl, está na localidade de Porteira Sete, distrito de Cordilheira, em Cachoeira do Sul. Virtualmente pode ser apreciada no Instagram, espaço onde visitas podem ser agendadas. Fica a sugestão.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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