Três Irmãs

Por José Antônio Moraes de Oliveira

 
Aquela era uma das tantas estórias que se contava e se recontava nas rodas de fogo dos campos do Sul. E que depois de um tempo, rodavam para longe e voltavam aumentadas e enriquecidas. Mas ninguém sabia qual a metade de valia e qual a inventada. Meu avô Picurra,  que não se agradava de ouvir falatórios sem-pé-nem-cabeça reclamava alto para quem quisesse ouvir:

 "- Se tem mulherio no meio, não deve ser verdade". 

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Assim mesmo, eu gostava dos causos que entreouvia nas frestas do galpão da peonada, contrariando a mãe, que detestava estórias de almas-penadas que lhe tiravam o sono e provocava pesadelos.

Ela estava certa, pois os guris mais novos se arrepiavam de medo quando ouviam contar da Mula Sem Cabeça ou da Cuca Malvada, uma bruxa que roubava crianças para fazer mingau.       

Mas haviam outras tantas que o Tio Dedé contava com detalhes que pareciam verdadeiras e que nos deixava na ponta da cadeira. Lembro muito bem do Caso das Três Irmãs, que se passou durante a Guerra dos Farrapos. Contavam duas versões, uma que o caso aconteceu ali por perto, nas barrancas do Camaquã. A outra, lá nas dunas da Lagoa dos Patos.

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A narrativa que recordo era mais ou menos assim:

"Era uma vez 3 irmãs, sem pai nem mãe, mas ligadas entre si. Moravam em uma casa de pedra, com mais de 100 anos, erguida pelos tropeiros como casa de pouso junto os bebedouros do arroio.   

A mais moça das irmãs era uma amazona de mão-cheia, que até provocava inveja entre os homens. Comentava-se que sabia a linguagem dos cavalos e que cachorros paravam de latir quando ela passava. Havia quem a viu assoprar na orelha de um potro mal domado, fazendo o bicho baixar a cabeça e se amansar como cavalo de trote.   

A irmã do meio usava longos cabelos negros que iam até a cintura. Sabia ler as nuvens do céu e quando saía para o campo aberto, bandos de andorinhas voavam sobre sua cabeça, fazendo grande estardalhaço.                      

A terceira irmã era mais velha, com uma idade que não dava para precisar. Dormia poucas horas, levantava no meio da noite, vagando pelas estradas até o raiar do sol. Diziam que conversava com os mortos do cemitério da vila e ouvia deles segredos dos que ainda estavam vivos.

Mas como se diziam antigamente, nada termina bem com os que brincam com as coisas do Além. Em um verão, quando menos se esperava, o céu escureceu e desabou um temporal de vento e chuvarada que durou dois dias. O arroio Camaquã transbordou, a água desceu com força cobriu a várzea, arrancou uma figueira centenária e levou por diante a casa de pedra...".

Quando chegava neste ponto, Tio Dedé fazia uma pausa, dava uma pigarreada e fechava a estória em voz baixa, como quem reza:

"...Quando as águas baixaram, ninguém encontrou rastro das 3 irmãs, dos cavalos e cachorros. Todos haviam sumido como se nunca tivessem existido. Contam que depois daquele dia, nunca mais os bandos de andorinhas voaram sobre o Camaquã".                            

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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