TVE, uma história real

Por José Antonio Vieira da Cunha

Quantas iniciativas, quantas conquistas, quantos dramas, quantas alegrias escorreram nos 50 anos que a TVE completa neste 29 de março de 2024? Sobreviveu a dois incêndios neste período, um quando operava em prédio da PUC, nos anos 70, e outro em suas instalações atuais no Morro Santa Tereza, em 1982. Mais do que isso, sobreviveu a certos governantes medíocres e alguns dirigentes de dúbios princípios. Impossível quantificar e avaliar um período tão longo e pleno de avanços e tropeços, mas o resultado é concreto. Colheu simpatias e empatias e foi queridinha do telespectador gaúcho durante boa parte de sua trajetória. 

Destaque para a diversidade de sua programação, com atenções específicas a heterogêneos grupos de telespectadores. Produziu programas que repercutiram intensamente na sociedade, abrindo janelas para expressões culturais como os concertos da Ospa e o juvenil Radar, para ficar em dois exemplos quase antagônicos. Enquanto as emissoras comerciais apresentavam enlatados de todos os naipes, a TVE produzia programas como o Estação Cultura, com a multitalentosa Tânia Carvalho, e o Pandorga, este a única produção local direcionada a crianças - ou repercutia a programação bem brasileira da homônima carioca ou da paulista TV Cultura.

Levo na bagagem o agradável peso da responsabilidade por quatro destes anos, entre 1995 e 1999, quando dirigi a Fundação que administra a TVE e sua filhota, a Rádio FM Cultura, que Pedro Simon inaugurara em 1989. Estive entre os responsáveis pela mudança radical operada em junho de 1995, data em que a Assembleia Legislativa aprovou o projeto de criação da Fundação Cultural Piratini Rádio e Televisão, que transformava a TVE e a FM em verdadeiras emissoras públicas, a partir de uma inspiração de outro jornalista, o governador Antônio Britto. O ponto de corte estava na criação de um Conselho Deliberativo, formado por representantes de 19 áreas culturais e educacionais do Estado e que passava a ser o responsável pela orientação das emissoras, tendo como norte o exemplo vitorioso da TV Cultura. Seus conselheiros tinham um compromisso desafiador: monitorar as atividades da tevê e da rádio e zelar na busca de aperfeiçoamento para a produção local, com a valorização das manifestações regionais.

Lembro que a mudança foi saudada com entusiasmo por Cândido Norberto, respeitado homem de comunicação que havia dirigido a emissora e estava desapontado com a supressão do nome Piratini, que ele havia sugerido anos antes para homenagear a revolução de 1835 e resgatar a designação original da emissora. Nos anos 80, "sabe-se lá por iniciativa de quem", protestou ele, o nome Piratini foi suprimido, e daí seu contentamento com o "rebatismo inteligente", como qualificou a medida.

O Conselho Deliberativo iniciou sob o comando sensível e inteligente do Ruy Carlos Ostermann, tendo o publicitário Samir Salimen como seu vice e o jornalista César Almeida como secretário geral. Ruy era zeloso na função, estimulando o envolvimento dos demais conselheiros no esforço de zelar pela integridade e sucesso da TVE e da FM. Fazia questão de lembrar sempre que estavam ali não em nome de entidades que representavam, mas como representantes legítimos da sociedade.

Quase simultaneamente também estimulamos a criação da Associação dos Amigos da TVE. Presidida pelo médico Nelson Nonohay, por sua vez secundado pelo jornalista Juarez Fonseca, seu vice, a entidade foi fundamental para ajudar a viabilizar a obtenção de recursos para a manutenção da Fundação Piratini e suas emissoras. De computadores a equipamentos técnicos, foi graças à TVE que muitas ações de programação se viabilizaram e outras se qualificaram. 

Enquanto isso, a produção e criação de programas ia aos poucos enriquecendo a programação. O programa Frente a Frente, o aprimoramento do Estação Cultura, a instalação do sinal via satélite, num pioneirismo na televisão gaúcha, a reforma total do estúdio, tornando-o o mais moderno da época no sul do país, as conquistas de inéditos prêmios de jornalismo. Há muito o que contar sobre o que aconteceu no final do século 20. Voltarei ao assunto na próxima.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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