TVE, uma história real (III)

Por José Antonio Vieira da Cunha

Além das conquistas materiais - sinal de transmissão via satélite, modernização de estúdio para a televisão, ampliação da central técnica, equipamentos para a FM Cultura -, houve incontáveis avanços e inovações no estilo, na programação e no espírito da equipe. Ganhou-se inéditos prêmios, especialmente na área de jornalismo. Entre tantos, destaques para o Prêmio Açoriano de Literatura, o Prêmio ARI de Reportagem em TV, desbancando todas as emissoras comerciais, o Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo e o I Prêmio da Previdência, no qual foi segundo lugar entre emissoras de TV de todo o país, com reportagens seriadas sobre as dificuldades do INSS.

Esta transformação tinha como suporte e alavanca essencial a criação do Conselho Deliberativo, formado por 25 membros. Foi empossado em 31 de outubro de 1995 com o desafio de zelar para que a TVE fosse verdadeiramente uma emissora pública, não estatal, no sentido de que suas diretrizes e sua filosofia de ação passavam a ser determinadas por entidades representativas da comunidade gaúcha. Mais, embutia o fato de o governo abrir mão de um poder discricionário para delegar à sociedade a atribuição de gerir os destinos da Fundação Cultural Piratini e suas emissoras, a FM Cultura e a TVE. O conceito basilar estava em tornar as emissoras definitivamente a serviço da sociedade, que é permanente, e não a serviço de governantes, estes que passam e se vão.

A implantação de uma diretoria de Marketing veio junto com esta reformulação, e, graças à captação de recursos que proporcionou e o consequente investimento em tecnologia, a TVE pôde passar a produzir e oferecer uma programação de qualidade, baseada em cultura, educação e informação. Tinha, dois anos depois, uma média de 30% de programação local, o maior volume entre os canais de tevê do Rio Grande do Sul. A faixa da programação essencialmente infantil, liderada pelo programa local Pandorga, foi considerada uma das mais qualificadas do país pela Comissão Parlamentar do Senado Federal constituída para avaliar a televisão brasileira. Não é pouco, vamos convir...

No elenco de inovações está a criação de um programa que se tornou longevo e prestigiado, o Frente a Frente, cuja primeira edição foi ao ar em 25 de julho de 1995. Apresentado por Flávio Porcello e tendo como entrevistado o governador Antônio Britto, tinha uma bancada de jornalistas muito respeitáveis: Hélio Gama Filho, diretor de Redação do Jornal do Comércio; Luiz Figueiredo, diretor-editor do Correio do Povo; José Mitchell, da sucursal gaúcha do Jornal do Brasil; e Gilberto Lima, diretor de Telejornalismo do SBT RS. (A RBS, intransigente ontem como hoje, não liberava seus profissionais para participar de alguma ação de "concorrente".)

Nos meus guardados encontrei uma circular de dezembro de 1996, enviada ao pessoal do Jornalismo. Alertava que numa emissora de tevê que se pretende pública e voltada especialmente para as áreas da cultura, da educação e da informação é relevante uma atenção especial para a pauta. Antes de engarrafamento de trânsito ou querelas políticas, e da óbvia agenda diária, a reflexão deveria estar centrada na missão e no compromisso como veículo de comunicação desta natureza.

Provoquei os colegas jornalistas da redação da tevê: Quais os valores que vamos incentivar, estimular e destacar? Interessa mais enfatizar a miséria do cotidiano ou os exemplos de trabalhos comunitários que dignificam a vida? Vamos fazer pautas mostrando malandragens e casos de corrupção, ou vamos buscar os exemplos de comportamentos éticos, exemplos de fatos que nos orgulham e não nos constranjam enquanto cidadãos? O desafio era buscar a diversidade social e cultural, sair do óbvio da agenda diária inclusive na cobertura do Judiciário e do Legislativo. Durmo com a sensação de que conseguimos seguir por este norte.

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Na celebração dos 50 anos da TVE e dos 35 da FM Cultura, agora no final de março, houve o descerramento de placa comemorativa com uma linha do tempo da evolução das emissoras e um QR Code que direciona para uma versão digital. A placa está lá na parede de recepção da Fundação, e o digital traz os nomes dos 1.312 profissionais que trabalharam ou trabalham ali. Só mesmo na forma digital para conhecer todos eles, mas quero neste espaço privilegiado agradecer aqueles que estiveram diretamente comigo nos quatro anos de gestão, entre 1995 e 1999. Lá estavam os diretores Adão Vargas, Caio Klein (que respondia pela área técnica e é o atual líder da TVE), Flávio Dutra, Flávio Porcello, Glauco Fonseca, Pedro Macedo e Sérgio Rotta. Vale menção também a colaboradores diretos, como Adolfo Nassur, Antônio Bavaresco, Daniel D'Alló, Eduardo Vital, Evânia Reichert, José Emanuel Gomes de Mattos, José Evaristo Villalobos, o Nobrinho, e Rosana Orlandi. E às duas executivas responsáveis pelo equilíbrio operacional e emocional da organização, Laís Porcelis e Liana Zogbi. Sem esta turma leal a gestão correria o risco de passar em branco. Pois foi muito longe disso.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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