TVE, uma história real (IV)

Por José Antonio Vieira da Cunha

Tânia Carvalho é o legítimo exemplo de pessoa que dispensa apresentações, mas é impossível saber-se tudo sobre uma mulher tão dinâmica, extrovertida e espontânea, muitas vezes acometida de ataques de sincericídio, como ela mesma faz questão de enfatizar. Personagem identificada com a televisão no Rio Grande do Sul, teve uma longa carreira em praticamente todas as emissoras. E, claro, na TVE, na qual fora demitida em 1991 após uma ousada ironia sobre as botinhas brancas portadas pela então primeira-dama Neusa Canabarro.

Foi um ato autoritário e esdrúxulo, que levou Tânia a acionar o governo. No início de 1995, quatro anos após, estava eu na presidência da TVE quando seu advogado Marco Túlio de Rose acenou com um acordo, o que fizemos com a intervenção da Procuradoria Geral do Estado. Era julho e estávamos encaminhando uma solenidade informal para marcar o retorno de Tânia no início de agosto. "Agosto não, não consigo assinar nada em agosto, é mês de azar", pontuou ela, pedindo para acelerarmos o processo. E então, em 31 de julho, Tânia Carvalho, já uma lenda, voltava a figurar na frente das câmeras, e recordo muito bem como se dizia feliz por voltar a atuar na emissora que havia ajudado a fundar.

Enquanto você viver, continue aprendendo a viver, escreveu Sêneca. Imagino que Tânia, inconscientemente ou não, segue esta toada. Voltava a atuar em televisão com energia e entusiasmo de jovem aos 53 anos, trazendo a experiência de quem havia sido a primeira apresentadora do Jornal do Almoço, na TV Gaúcha, em 1972, e depois de ter flutuado por todas as emissoras de televisão e as principais de rádio, Gaúcha, Difusora, Pampa. "Estou tão nervosa como se estivesse fazendo televisão pela primeira vez", ela disse, entusiasmada com a proposta que lhe foi apresentada: comandar o programa Estação Cultura, direcionado para a área do jornalismo cultural e com a proposta de "fugir da mesmice".

Tinha na retaguarda uma das equipes mais profissionais que passaram pela TVE naqueles tempos. Quem é do ramo conhece e haverá de concordar: Lúcia Achutti, Márcia Escobar, Maria Helena Ruduit e Sílvia Dinelli, diferentes talentos e personalidades que se completavam com a condução de Rosana Orlandi, outra profissional competente e respeitada por todos graças a sua condução segura e eternamente serena.

Estação Cultura e Tânia Carvalho eram duas entidades que se complementavam com uma harmonia estimulante e vulcânica. Mas, como tudo que é bom não dura para sempre, veio a TVCom, a emissora comunitária criada pelo Grupo RBS, e balançou o que se fazia então, ao dar atenção a assuntos da comunidade porto-alegrense e abrir espaços generosos para debates e entrevistas, tal qual a TVE fazia com boa repercussão.

E a TVCom seduziu Tânia. Exatamente dois anos depois de seu retorno, em julho de 97, estava eu voltando de viagem e encontro um amoroso, espirituoso manuscrito dirigido ao "querido presidente". "Estou com o coração partido" era a primeira frase, prenúncio para amenizar o que se seguiria: havia recebido um convite "irrecusável" da TVCom, que estava reformulando sua grade de programação e contava com ela, "junto com mais alguns dois ou três dinossauros, com honras e glórias", como ela mesma registrou. O convite irresistível era para apresentar "Falando Abertamente" no final das tardes.

O bilhetão trazia a delicada preocupação de que eu soubesse da novidade por ela e não através das "mil fofocas que estão rodando por aí". Ferina como sabe ser, detalhou: "Até o Flávio Alcaraz disse na rádio e na TV Guaíba que eu estava indo para a RBS dentro do projeto 'Caras Novas'. Ele não é um amor de pessoa?"

Despediu-se deixando "beijos com lágrimas de esguicho". Seguiu uma carreira longa e vitoriosa e só deixou a TVCom quando seu amigo Tatata Pimentel foi dispensado, no final de 2011. Decidiu sair junto, solidária, porque não queria "ficar velha na tevê", embora da velhice não tenha medo. Disse há pouco tempo, em um evento sobre longevidade: "Gosto de ser velha, porque acho 'velho' um adjetivo fantástico para quem tem uma longa vida, na qual ficamos mais sábios e podemos ser ativos, fazendo o que realmente gostamos".

Sábia e corajosa Tânia, meus respeitos. E um beijo sem esguichos, mas muito sincero.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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