Um 2024 com menos armas e menos tragédias

Por Renato Dornelles

A cada mudança de ano, é natural as pessoas criarem expectativas de melhoras nas mais diferentes áreas do dia a dia e da vida em geral. Comigo, não é diferente. Por mais que eu entenda que a simples mudança no calendário pouco signifique no campo material, não me privo de sonhar com um mundo melhor.

E nesses tempos, levando em conta que saímos de um ano marcado por duas guerras no mundo, por um violento ataque à democracia e por uma tentativa de golpe no país, meu sonho, que considero possível, passa por uma queda nos índices de violência e na intolerância.

E até por ser um assunto com o qual lido com frequência, não posso deixar de fora a questão das armas. Sim, as armas ilegais, que a cada ano ceifam dezenas de milhares de vítimas no Brasil e que agora recebem o reforço de legalizadas que entraram em circulação a partir de decretos assinados no quadriênio 2019-2022.

Nesse período, mais de um milhão de armas legalizadas pelos decretos presidenciais entraram em circulação. Investigações e estudos mostram que muitas foram parar na mão do crime por algum tipo de desvio: roubos, furtos, legalização por meio de uso de "laranjas", entre outros.

Mas mesmo quando não na mão de criminosos, mas sob domínio de pessoas consideradas inocentes ou comuns, as armas têm produzido tragédias. No dia 12 de dezembro passado, em Porto Alegre, o Tribunal do Júri condenou a mais de 35 anos um jovem por triplo assassinato, de pessoas de uma mesma família.

O crime ocorreu em 2020, no bairro Lami, extremo sul da cidade, após uma discussão de trânsito. A arma usada estava legalizada. Com a justa condenação, a tragédia atingiu as duas famílias: as dos mortos e a do autor que agiu amparado pelo fácil acesso a armas.

Quatro dias após o Júri, no bairro dos Jardins, na zona nobre de São Paulo, um empresário matou uma policial e, depois, ele e um funcionário foram mortos pelo colega da agente. Os dois policiais investigavam um caso de furto ocorrido na casa vizinha no dia anterior.

Em busca de imagens de câmeras de segurança, a policial tocou a campainha da casa do empresário que, segundo sua família, imaginando se tratar de um assalto, abriu o portão da garagem da casa e atirou contra a policial. Na sequência, antes de ser atingido também, o colega dela atirou no empresário e no segurança da casa, que tentava reagir.

Penso, novamente, que o fácil acesso a armas contribuiu, em muito, para a tragédia. O empresário, imaginando um assalto, sem a arma, possivelmente acionaria a polícia em vez de abrir o portão da garagem e atirar na policial. É a típica tragédia causada pela péssima combinação entre pessoas acuadas pela falta de segurança, fácil acesso a armas e despreparo para seu uso.

Na sabatina feita ao então candidato ao STF, Flávio Dino, o senador Flávio Bolsonaro (PL), um dos entusiastas dos decretos das armas, voltou a repetir a tese de que o problema não são as armas, mas sim as pessoas que fazem mau uso delas. Ora, se sabemos que há muitas pessoas despreparadas ou fazendo mau uso, a solução é aumentar a proliferação? Tipo, libera e pune-se aqueles que cometerem crimes?

Depois do fato ocorrido, a punição em nada mudará a tragédia já consumada. Famílias já estarão chorando suas perdas, que não serão reparadas com a simples punição dos culpados. Por isso e muito mais, peço e sonho com um 2024 menos intolerante e muito menos armado. 

Autor
Jornalista, escritor, roteirista, produtor, sócio-diretor da editora/produtora Falange Produções, é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (1986), com especialização em Cinema e Linguagem Audiovisual pela Universidade Estácio de Sá (2021). No Jornalismo, durante 33 anos atuou como repórter, editor e colunista, tendo recebido cerca de 40 prêmios. No Audiovisual, nos últimos 10 anos atuou em funções de codireção, roteiro e produção. Codirigiu e roteirizou os premiados documentários em longa-metragem 'Central - O Poder das Facções no Maior Presídio do Brasil' e 'Olha Pra Elas', e as séries de TV documentais 'Retratos do Cárcere' e 'Violadas e Segregadas'. Na Literatura, é autor dos livros 'Falange Gaúcha', 'A Cor da Esperança' e, em parceria com Tatiana Sager, 'Paz nas Prisões, Guerra nas Ruas'. E-mail para contato: [email protected]

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