Uma pequena história da propaganda gaúcha (1)

Por Marino Boeira

 As agências de propaganda do Rio Grande do Sul, a partir da década de 70, no século passado, começaram a sofrer uma mudança gradual na forma como tratavam as contas publicitárias de seus clientes. Até então, o modelo vigente era aquele introduzido pelas agências norte-americanas no Brasil após a segunda guerra mundial, ou seja agências de propaganda com departamentos praticamente estanques cuidando das áreas de atendimento, criação, mídia e serviços gerais. Afora a parte administrativa, fundamental para a continuidade do negócio, dois setores dividiam as tarefas mais específicas de uma agência de propaganda, cuidando de formatar as mensagens que chegavam aos consumidores. O atendimento, pouco técnico, mas com grandes possibilidades de relacionamento social e comercial, que fazia a ligação entre os anunciantes e agência e o departamento de criação. Cabia ao setor de atendimento fazer a transferência para a agência dos pedidos de trabalho do cliente-anunciante na forma de um conjunto de informações que mais tarde todos chamariam de briefing, cada vez mais prestando tributo à influência norte-americana. A criação, isolada dentro da agência, transformava estes pedidos em anúncios gráficos, filmes, jingles e spots.    

 Nas maiores agências de propaganda de Porto Alegre a criação, dividida, muitas vezes de forma estanque, em redatores e diretores de arte, usavam suas formações, poucas vezes acadêmicas - uns como jornalistas e outros como artistas plásticos - para produzir peças onde a criatividade estava no jogo de palavras ou numa bela ilustração.  Nenhuma grande preocupação com o chamado consumidor final. Isso viria muitos anos depois. Quando se chegava a uma boa idéia, não importava se ela não era coerente com o briefing. Nesse caso, dizia-se de uma maneira jocosa; "troque-se o briefing". Como a concorrência no mercado não era tão grande, quem aparecia na mídia, acabava vendendo seu peixe. O mercado publicitário de Porto Alegre era composto basicamente por contas de varejo e de alguns poucos produtos. Havia por parte dos criativos da época em Porto Alegre uma atitude quase de desprezo pelas tarefas publicitárias. Eram, quase todos, candidatos a grandes escritores e artistas, que ganhavam tempo enquanto a fama não chegava. Alguns acabariam mesmo famosos no Brasil inteiro e não como publicitários - caso de Luís Fernando Veríssimo e Josué Guimarães que passaram pelas salas de criação da MPM. Outros seriam reconhecidos como importantes intelectuais e artistas, pelo menos regionalmente, a exemplo de Vitório Gheno Henrique Fuhro e Flávio Teixeira, Barbosa Lessa e Hiron Goidanich, depois de terem sido publicitários um bom período suas vidas.

 Usando uma linguagem religiosa, o trabalho publicitário era o purgatório para alguns, que cumpriam suas penas enquanto não eram chamados para a glória do céu, representado quase sempre como um lugar de reconhecimento das suas qualidades como escritores ou artistas plásticos. Quem ficava, era candidato a descer aos infernos, ou na melhor das hipóteses, viver no limbo da mediocridade. Poucos imaginavam que poderiam desenvolver seus talentos criativos toda uma vida dentro de uma agência de propaganda, como hoje é tão comum. Estava-se numa agência de propaganda para ganhar dinheiro - os publicitários ganhavam mais dos que os jornalistas - e esperar que uma grande oportunidade surgisse no mundo das artes. Pelo menos era essa a visão dos que trabalhavam na criação publicitária. O pessoal do atendimento - olhado quase sempre com desdém pelos criativos - talvez já tivesse se antecipado e pressentido um futuro brilhante dentro das agências. Muitos, se não conseguiram isso, pelo menos ficaram bastante ricos, na medida em que foram usando suas relações com os clientes para formar novas agências, onde mais do que cuidarem do atendimento, se tornaram donos. 

Este talvez seja um fenômeno característico da propaganda feita no Sul: das grandes agências existentes na década de 70, nasceram dezenas de outras formadas em torno de um contato de propaganda que conseguia convencer seu cliente a financiar a sua ânsia de se tornar um novo empreendedor. Pessoas de atendimento, que se transformaram em donos de agência, seriam imitadas mais tarde, na década de 80, pelos responsáveis pela parte financeira das agências, que com a inflação descontrolada da época, se transformaram em homens extremamente poderosos. As agências nesse período ganhavam mais dinheiro com as operações financeiras do que com a sua atividade principal, a de produzir comunicação publicitária. 

Ainda nos anos 70, a Ogilvy and Mather começou um namoro com a Standard Propaganda, que viraria casamento mais tarde. Mas mesmo antes de consumada esta ligação, a influência das idéias de David Ogilvy - o famoso publicitário inglês que dava seu nome à agência - sobre o trabalho publicitário, começou a se fazer sentir no dia-a-dia da Standard.  No escritório de Porto Alegre, Luís Augusto Cama, diretor de criação e homem também oriundo da área jornalística, cobrava uma maior coerência entre a idéia criativa e as expectativas dos consumidores sobre os produtos anunciados.. 

David Ogilvy dizia que se você quer vender um produto para mulheres que amamentam, deve dizer isso no título do seu anúncio. Então, Cama queria que, antes de fazer um título para vender o arroz Índio, por exemplo, você perguntasse em casa para sua mãe ou sua mulher, como elas escolhiam a marca de arroz em vez de fazer uma brincadeira com o nome do produto. É certo, que sempre havia a possibilidade de fazer primeiro o anúncio que desse na telha e depois escrever um texto apoiado em alguma coisa que você houvesse lido sobre preferências de consumidores, para justificar a ideia mais estapafúrdia do mundo que lhe ocorrera em meio a discussões sobre a importância de ser torcedor do Internacional. Mesmo assim tinha sido dado o passo que faltava para que a palavra posicionamento ganhasse status de prima dona dentro das agências e dividisse o mundo dos publicitários em dois grupos quase sempre antagônicos: os criativos, para quem uma boa idéia resolvia tudo e os planejadores, para quem, posicionando corretamente um produto, qualquer título de anúncio servia. 

Continua...

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

Comentários