Uma pequena prévia do que pode ser 2025
Por Márcia Martins
![](/files/e4da3b7fbbce2345d7772b0674a318d5/midia_foto/20250109/1725565605836Marcia-Martins-2-_1_-1-2-1.jpeg)
Se o ritmo dos primeiros dias de 2025 se repetir no decorrer dos próximos 12 meses, podemos supor que o ano será movimentado, agitado, tumultuado e sem o risco de monotonia. Uma rotina nada previsível a julgar pela prévia dos oito dias iniciais de janeiro. Reconhecimento do cinema nacional com o retrato do período nefasto da ditadura. Promessa de redes sociais sem checagem de fatos e permitindo a disseminação do preconceito. A primeira sessão plenária da Câmara de Vereadores se configurando um circo de horrores. E a lembrança dos dois anos da tentativa de golpe à democracia.
Vamos começar com a maravilhosa atuação da Fernanda Torres, que levou o Globo de Ouro com o filme "Ainda estou aqui", em que é narrada a brava luta de Eunice Paiva por justiça após a prisão e o desaparecimento de seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, levado por agentes da ditadura militar em 1971. Não vou falar sobre a história do filme, uma vez que todos devem ter conhecimento do conteúdo. Mas sim enaltecer a interpretação da Fernandinha que, aos 59 anos, tornou-se a primeira atriz brasileira a erguer a estatueta.
Fernanda se supera no papel de Eunice Paiva de uma forma densa, profunda e que prende o espectador do início ao fim do filme, quase nos roubando a respiração em cada nova cena. Um olhar penetrante que alterna momentos de inquietação e uma suposta calma para manter o equilíbrio da família. Fernanda mereceu muito o prêmio e emocionou ao lembrar, em seu discurso, a sua mãe, a excelente atriz Fernanda Montenegro, que dispensa comentários. A mãe interpreta a Eunice Paiva na velhice e com um simples movimento dos olhos e rugas comove a plateia, sem dizer uma única palavra.
E, na segunda-feira, 6 de janeiro, um dia depois da consagração da Fernanda Torres com um filme que endossa os desmandos da ditadura, a primeira sessão da Câmara de Vereadores de Porto Alegre mostrou o nível da bancada dos parlamentares. Lamentável. Sim, um circo de horrores e desrespeito à democracia com os discursos absurdos e ignorantes de vereadores e vereadoras da extrema direita.
Estive na Câmara para apoiar a vereadora que ajudei a eleger e para pressionar pela rejeição ao pacote de maldades do prefeito Melo que, entre outros temas, trata de extinção da Fasc e da privatização do Dmae. E me surpreendeu a ironia destilada diversas vezes pela presidenta do Legislativo Municipal, a comandante Nádia, o controle de quem poderia entrar na "casa do povo" (sic), o fim repentino das pulseiras que permitiam o acesso ao plenário e o desrespeito total e baixo de vereadores e vereadoras com representantes da sociedade civil organizada que lotava o plenário.
E não deveria me surpreender, visto que, no auge dos meus quase 65 anos (ah, eu entreguei a idade) fui ao local acima diversas vezes no exercício da profissão, como repórter ou assessora de imprensa, ou como convidada, no período em que estive na presidência do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) de 2019 a 2022. Mas, como diz uma amiga sábia, sempre tudo pode piorar. Pois o vereador Marcelo Ustra Soares (PL), na tal sessão, realizou a circulação do livro do torturador Carlos Brilhante Ustra, seu parente e um dos mais infames personagens da ditadura brasileira.
Enfim, cada vez mais filmes como "Ainda estou aqui", que contam a história como ela realmente ocorreu, são necessários e urgentes neste País, que teve, há dois anos, a sua democracia ameaçada. Por mais Fernandas. Por mais mulheres que não se curvam. Por mais cinema brasileiro de qualidade. Por mais páginas verdadeiras da nossa história. Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.